Um encontro ocasional
Pedro tinha de se recompor da noite passada. Ao mesmo tempo que ia ouvindo a sua rádio favorita, tomou um duche prolongado, tentando não pensar mais na noite anterior. De seguida fez a barba e foi tomar o pequeno almoço no café do bairro. Nessa manhã, sentiu a necessidade de tomar dois cafés e comer uma enorme tosta mista.
De seguida, chamou um taxi. Tinha de ir à oficina buscar o seu Mercedes. Ele já sentia falta do seu carro. As mulheres não deviam ter direito a tirar a carta de condução.
Sempre que ele se lembrava daquele acidente, pensava que não era assim tão difícil pisar mo travão. Provavelmente, a mulher estava a conversar ao telemóvel a contar as novidades que tinha sobre o namorado da melhor amiga ou então a retocar a maquilhagem.
Pedro conduziu até ao emprego. Naquela zona era difícil estacionar, mas ele tinha direito a um lugar de estacionamento, o H13. A agência de publicidade ficava no 12 º andar de um prédio relativamente recente, que continha também três grandes empresas multinacionais na área de alimentação, uma consultora, uma escola de inglês e duas empresas na área das novas tecnologias.
Hoje tinha chegado relativamente cedo, por volta das 9h30. Não era habitual, pelo que ele devia estar um bocado perturbado. Nessa hora, o elevador parava em todos os andares, pelo que demorava uma eternidade para chegar ao último andar. Do seu gabinete, tinha uma vista lindíssima sobre a cidade.
Logo que chegou, Pedro foi tomar o seu terceiro café do dia. Às vezes, quando tinha de trabalhar até tarde, costumava tomar cinco ou seis por dia. Na sala de cafés (assim chamadas pelos colaboradores da empresa), conversava um bocado com Carlos, quando sentiu um toque leve no ombro. Era Patrícia, que tinha acabado de chegar.
- Hoje chegaste cedo. Não é nada normal chegares primeiro que eu. – gracejou Patrícia.
- Deves estar a brincar. Eu cheguei à hora habitual. Tu é que te atrasaste um bocado. Deves ter tido uma grande noite...
- Por acaso...
- Alguém teve sorte ontem à noite. Diz lá quem foi o sortudo.- perguntou Pedro, com ar de quem estava muito curioso .
- Ninguém que tu conheças. E tu não tens nada a ver com isso...
- Porque não? Tenho de zelar pela felicidade das minhas colegas. E se elas começam a sair com pessoas pouco recomendáveis...
- Sim. Pessoas como o Pedro – brincou Carlos. – Até parece que estás com ciúmes.
- Ciúmes? Como é que adivinhaste? Como é que soubeste que a Patrícia era a mulher da minha vida. Eu até estava a pensar em pedi-la hoje em casamento. Bem, fica para outra oportunidade.
- Tu? Casar? Não sei porquê, mas não te vejo a estar casado. Parece-me que vais ficar solteiro para o resto da vida. E vais ter ai uns três ou quatro filhos de mulheres casadas – replicou Patrícia, que estava a gostar daquela conversa.
- As pessoas podem mudar. Não concordas?
Carlos fingiu que pensava um bocado e depois respondeu à pergunta de Pedro.
- As pessoas sim. Mas tu vais ficar sempre na mesma.
- Vou considerar isso como sendo um elogio.
De repente, um telemóvel tocou. Pedro procurou o telemóvel no bolso do casco, mas não o conseguiu encontrar.
- Merda. Não me digam que eu perdi o telemóvel.
- Não o deixaste em cima da tua mesa?
- Acho que não. A última vez que me lembro de o ter utilizado, foi no carro, quando liguei para a minha irmã.
- Não te preocupes. O mais provável é teres deixado-o no teu Mercedes. E como é que ele estava, quando o foste buscar?
- Estava como novo. Não se via nem um risco. E fizeram uma limpeza ao carro. Limpara e aspiraram–no completamente. Já sabes como sou desarrumado.
- Pois. Desde momento que estivemos três horas à procura daquele briefing para o cliente na tua secretária. Parecia que estávamos no meio de uma guerra. Imagina que ainda lá estava um jornal de três meses atrás, ainda por ler.
- Homens! Não se importam de viver em pocilgas. E ainda te admiras de nenhuma mulher querer entrar em tua casa- Retorquiu Patrícia.
Pedro assentiu com um abanar de cabeça e desceu até à garagem. Ficou aliviado quando encontrou o telemóvel no carro. Mas tinha uma chamada não atendida, de um número não identificado. Ele detestava quando aquilo acontecia. Mas pensava sempre que se fosse realmente importante, voltavam a ligar.
Chamou novamente o elevador para subir, que surpreendentemente, chegou num instante. Quando parou no rês de chão, Pedro quase teve um ataque cardíaco. Qual não foi a sua surpresa quando viu entrar no elevador a mulher que tanto o tinha perturbado no dia anterior.
Quando ela disse bom dia, ele sentiu-se diferente, incapaz de pronunciar uma única palavra. O seu coração batia cada vez mais rápido, sem que ele o pudesse fazer qualquer coisa. Ela era mais linda do que ele pensava. Vestia um daqueles vestidos floridos, que as raparigas costumam usar no verão, que evidenciavam todas as curvas do corpo feminino. E o cheiro dela não ajudava. Devia ser o perfume com o aroma mais delicioso que tinha encontrado. Só lhe apetecia cheirar a parte de trás do pescoço e dar-lhe um beijo suave.
Mas nada. Ele não tinha qualquer reacção. Ela ia para o 10º andar. O tempo não era muito. A sua mente estava nublada, sem qualquer indício do que deveria fazer. Era talvez a última hipótese que teria para poder falar com ela. Tinha de dizer qualquer coisa.
- Sabias que “em 1930 um homem foi preso, acusado de bestialismo por molestar sexualmente um pato em Nova Iorque” * ?
Tinha sido a coisa mais parva que tinha dito na vida. Tinha ouvido essa notícia de manhã na rádio, e foi a única coisa que lhe tinha vindo à cabeça. Seguiu-se um momento muito embaraçoso para ele. Será que ela achava que ele era um tarado sexual? Tinha desperdiçado a melhor oportunidade da sua vida.
- Sim, sabia. Isso é ... um desbloqueador de conversa – respondeu de forma surpreendente. – também a ouvi hoje de manhã. Eu não consigo perder um único programa. É um dos meus únicos vícios.
O seu sorriso era um dos mais bonito s que tinha visto. E a simpatia com que respondeu fê-lo pensar que ela tinha gostado do que ele tinha dito.
- Eu tenho de ouvir todos os dias esse programa. As minhas manhãs são terríveis. Custa-me muito acordar.
O elevador chegou ao 10 º andar. Ela despediu-se e ia a sair do elevador, quando Pedro gritou:
- Eu sei que pode parecer um bocado repentino, mas queres tomar um cafézinho?
* in “O Homem que mordeu o cão”