quinta-feira, dezembro 27, 2007

Capítulo 16

A primeira discussão...

Pedro tinha regressado ao escritório após o almoço. Estava satisfeito por finalmente ter tido a oportunidade de falar com Patrícia. Ele já estava a sentir-se culpado por ter escondido durante tanto tempo a sua vida amorosa a uma das suas melhores amigas. Ele prezava os conselhos dela mais do que os de ninguém, pois não existia ninguém em cujos conselhos confiasse mais. E ela achava que ele devia dizer a Inês o que sentia.

Ele tinha estado a pensar constantemente nisso nos últimos tempos, e estava bastante indeciso, mas Patrícia tinha-o completamente convencido a dizer a Inês que a amava. Ele sabia que era um risco pois não tinha a certeza de que ela sentisse a mesma coisa por ele. Mas sentia que tinha de lhe dizer que a amava de verdade, como nunca tinha amado ninguém. Na verdade, ele já tinha dito a várias raparigas que as amava, mas sentiu que esta era a primeira vez em que estava a ser sincero, do fundo do seu coração.
Por isso, o seu coração batia de forma acelerada. Ele não parava de pensar na reacção dela quando ele lhe dissesse, pois desejava no seu íntimo, que ela sentisse o mesmo. Mas tinha tomado a decisão, e não existia nada que o fosse demover.

E hoje iria ser o dia em que lhe iria contar. Ligou a Inês para combinarem jantar juntos nessa noite. Mas algo parecia diferente. A forma como ela lhe tinha falado tinha sido um bocado esquisita. Ele sentia que algo estava errado, mas não sabia o quê. Talvez tivesse sido o exame que lhe tivesse corrido mal, ou outra coisa qualquer. Mas ele sabia que ela estava distante.
Quando desligou, Pedro começou a duvidar novamente se seria boa ideia dizer a Inês que a amava. Era um passo importante, e o facto dele não ter reconhecido naquela pessoa com quem tinha falado ao telefone a rapariga que tanto amava, mostrou-lhe que afinal não a conhecia tão bem. Seria ainda cedo demais, e estaria a precipitar-se? A indecisão começou a pairar na sua mente, mas decidiu que tinha de lhe dizer o que sentia.

- Então, quando é que lhe vais dizer-lhe? – disse Patrícia, ao mesmo tempo que lhe tocava suavemente no ombro. – Já decidiste?
- Ah? Ainda não sei. Talvez hoje à noite? – respondeu Pedro, visivelmente apanhado de surpresa pela frontalidade da sua amiga.
- Só hoje à noite? Não achas que lhe devias dizer-lhe agora?
- Agora? Não sei se é daquelas coisas que lhe devia dizer ao telefone, sabes?
- Mas do que é que estás a falar? Ele está ali, na sala dele, à espera de que digas alguma coisa sobre a campanha. É só levantares o teu rabo dessa cadeira, andar dez metros e entrar no gabinete dele.
- Desculpa. Pensei que estavas a falar de outra coisa. – Vou já ter com ele.
- Não me digas. Estavas a pensar naquela pessoa de quem falamos no almoço.
- Tu já me conheces. Achas que eu estaria a pensar em assuntos pessoais no meu horário de trabalho?
- Queres mesmo que te responda a isso?
- Não, é melhor não...
- Sempre vais dizer-lhe, não vais? – perguntou-lhe, pois ainda tinha a pequena esperança de que ele não seguisse o conselho que ela lhe tinha dado e mudasse de ideias. Talvez ele lhe dissesse que afinal já não amava aquela rapariga.
- Hoje à noite... Nem sei como lhe vou dizer...
- Sinceramente, acho que não deves planear nada. Sê tu próprio, e acho que as coisas irão sair-te naturalmente. Tu és das melhores pessoas a improvisar sobre pressão, como tantas vezes demonstraste aqui.
- Mas isto é diferente. Eu não quero que nada corra mal.
- Eu sei. Mas tenho a certeza de que tudo vai correr pelo melhor.- disse Patrícia, ao mesmo tempo que era chamada pelo chefe com alguma urgência.

Ao levantar-se, emitiu um pequeno suspiro que passou despercebido a Pedro, pois apercebeu-se que já não conseguia fazer mais este papel de melhor amiga. Cada vez que tentava apoiar Pedro e dar-lhe força para dizer a Inês o que sentia, sofria por dentro, pois ela amava-o tanto ou mais do que aquela rapariga. E custava-lhe muito vê-lo apaixonado de verdade por outra pessoa. E o que podia ela fazer? Nada, absolutamente nada. Mas mais do que tudo, era amiga dele e lá no fundo, tudo o que queria era que ele fosse feliz. Só não percebia porque ele não podia ser feliz com ela...

A tarde foi agitada para ambos, pois tiveram de fazer um esforço de última hora para conseguirem acabar o draft das respectivas campanhas a tempo de enviarem as coisas ainda no final desse dia para os clientes. Ao final da tarde, Pedro reparou nas horas. Ia mesmo ligar a Inês a dizer-lhe que ia chegar atrasado, mas foi chamado de urgência pelo chefe que estava numa conference call com o cliente. Após essa reunião, o stress era tanto, que não se tinha mais lembrado de ligar a Inês. Já tinha passado quase meia hora da hora combinada, quando ele finalmente lhe ligou a dizer que estava naquele momento a saír do escritório e que ia já a correr para o restaurante. Sentiu logo pelo tom de voz dela que ela não tinha gostado muito fo facto dele não a ter avisado mais cedo, mas imaginou que ela iria compreender a situação assim que ele lhe explicasse o que tinha sucedido.

Quando ele finalmente chegou, dirigiu-se à mesa que tinha reservada, na qual já Inês estava à espera há cerca de três quartos de hora. A caminho da mesa, reparou no ar de Inês. Ele nunca a tinha visto assim. Ela tinha sempre um ar radiante e irradiava simpatia por todos os lados. Mas não era isso que ela aparentava hoje. Soube logo que tinha de pedir imensas desculpas pelo atraso e compensá-la de alguma forma. E achou também que talvez hoje não era o dia certo para dizer-lhe que a amava. Ele sentia claramente que o ambiente não estava apropriado para o que lhe tencionava dizer.

- Desculpa lá o atraso. Peço imensa desculpa, mas hoje tive mesmo um dia muito complicado no trabalho, e as reuniões que tive prolongaram-se por mais tempo do que estava à espera. Mas podes estar descansada que nem todos os dias são assim.
- Não há problema. Acontece... Só gostaria que me tivesses avisado que estavas atrasado. Não te custava nada e eu escusava de estar aqui sozinha. Sentia que toda a gente estava a olhar para mim, a ter pena de mim, pelo facto do meu namorado se ter baldado...
- Inês, se esse foi o teu problema, podes estar descansada. Tenho a certeza de que toda a gente estava a olhar para ti, mas por outro motivo. Eles estavam todos a olhar para a mulher mais bonita desta sala...

Inês não conseguiu evitar um esboço de um sorriso. Ele tinha esse efeito nela, e por mais que estivesse chateada com ele, ele conseguia conquistá-la novamente.

- Espero que não penses que os elogios desculpam o teu atraso... – respondeu, fingindo que estava ainda zangada com ele.
- Eu acho que os meus actos não têm desculpa. Qualquer homem seria parvo em deixar-te aqui sozinha, pois corria o risco de seres abordada de cinco em cinco minutos por alguém a oferecer-te uma bebida.... Por isso podes estar descansada, que esta será a última vez que isto acontece...
- È só mesmo por causa disso que vais fazer tudo para que isto nunca mais aconteça...
- Claro que sim.. Que outra razão poderia existir?

Ambos sorriram ao mesmo tempo. Pedro sentiu que este primeiro precalço tinha sido ultrapasssado, e que as coisas estavam a voltar ao normal. Ele sabia que tinha de fazer tudo para que esta relação corresse bem, porque a amava de verdade e não saberia o que fazer se a perdesse. Nada poderia correr mal e ele sabia que não poderia repetir os erros que tinha cometido no passado com outras mulheres.

- Queres então dizer que não confias em mim... – inquiriu Inês...
- Eu confio plenamente em ti. Não confio é nos homens que aqui estão. Eu conheço-os bem e sei que eles só têm uma coisa no pensamento.
- Queres então dizer que tu também só tens uma coisa no pensamento.
- Eu não. Eu sou diferente da maioria dos outros homens...
- Tens a certeza? Pela minha experiência, os homens são todos iguais...
- Nem todos. Se queres que eu te diga a verdade, todos os homens nascem iguais. Mas existem certos momentos na vida que nos mudam para sempre... – Pedro fez uma pequena pausa...- E um dos momentos mais marcantes foi quando que tu entraste na minha vida. E toda a gente que conheço dir-te-á isso.
- Tens a certeza? Se calhar é melhor pedir-te agora os telemóveis de todos os teus amigos e ligar-lhes para confirmar isso, antes de continuarmos a jantar – brincou Inês.
- Estás à vontade. Mas acho que podes poupar o teu dinheirinho. Podes confiar em mim.
- Posso mesmo? – perguntou Inês, mas desta vez com um tom mais sério.
- Podes ter a certeza que sim... Eu nunca te iria mentir ou esconder nada. Quero que a nossa relação seja o mais transparente possível. E não quero que exista nada que te faça duvidar disso.
- Sabes que a confiança é algo que se conquista.
- Sim, tenho a perfeita noção disso. Mas ainda não fiz nada que quebrasse a tua confiança em mim...
- Disseste bem... Ainda não fizeste nada. – disse Inês, tentando não mostrar o que realmente sentia, fingindo que se estava a meter com Pedro.
- Pois, mas podes ter a certeza de que isso irá continuar assim. Pois eu gosto muito de ti e não te queria magoar. E estou disposto a fazer tudo para que tenhas plena confiança em mim.
- Talvez possas começar por escolher o meu jantar... – disse Inês, que já estava com fome há algum tempo.

Pedro escolheu uma das especialidades da casa, o salmão grelhado, para os dois. Pediu também um vinho tinto já com alguns anos e que ele, apesar dos seus parcos conhecimentos em termos de vinhos, sabia que era dos melhores vinhos naquele restaurante.

Os dois estiveram a conversar durante a noite toda. Aquele pequeno precalço tinha sido ultrapassado e Pedro sentiu que a rapariga que estava agora à sua frente já era novamente a Inês por quem se tinha apaixonado. Mas de repente, Inês colocou uma cara mais séria e lançou uma pergunta, vinda do nada.

- Mas diz-me uma coisa? Achas que vou ficar à noite muitas vezes à tua espera?
- Só mesmo quando estamos próximos do nosso deadline e o cliente pressiona-nos para ter as coisas prontas para ontem.
- E isso acontece muitas vezes?
- Depende um pouco da campanha e do cliente. O meu trabalho é muito dinâmico e posso encontrar de tudo.
- Mas hoje à tarde, quando me ligaste, as coisas pareciam mais calmas.
- Tens toda a razão, mas isso não quer dizer nada. As coisas mudam ali dentro, de um instante para o outro. Basta o cliente pedir alguma coisa com urgência, que as nossas prioridades mudam logo. Posso dizer-te que antes do almoço, as coisas estavam calmíssimas e que eu pensava que iria sair cedo à tarde no escritório.
- Que engraçado. Já vi que o teu horário é muito flexível. Nem fazia a mínima ideia. Por exemplo, hoje até poderíamos ter almoçado juntos depois do meu exame. Bastava termos combinado para um pouco mais tarde, que dava...
- Normalmente sim, pois posso gerir o meu tempo. Desde que consiga ter a campanha pronta antes do deadline, posso ir almoçar à hora que quiser e voltar à hora que quiser. Mas por exemplo, hoje não podia, pois tive uma almoço de trabalho com um colega. Mas em qualquer outro dia, é só uma questão de combinarmos.
- Mas costumas dar-te bem com os teus colegas?
- Para ser sincero, o ambiente lá é um pouco competitivo, e mesmo quando estamos a trabalhar para a mesma campanha, todos procuram marcar pontos juntos dos chefes. Cada um está a fazer por si, pois só assim se consegue progredir na carreira. Mas para quem vê de fora, parece que todos lá dentro fazem parte da mesma equipa.
- Assim é complicado fazer amigos por lá... Nunca sabes se eles são mesmo teus amigos ou não.
- Lá dentro, são muito poucos os colegas em quem confio plenamente e que posso considerar como sendo meus amigos. Quanto aos outros, tenho sempre cuidado com o que lhes digo.
- E tens muitas colegas lá dentro na agência? – disse Inês, tentando mostrar de propósito o ciúme na sua voz.
- Algumas, mas podes estar descansada. Não existe nenhuma mulher como tu lá dentro.
- Sinto-me bastante mais tranquilizada – disse Inês, com um tom irónico muito perceptível para Pedro.
- Podes acreditar no que te estou a dizer. Não tenho nenhuma amiga lá dentro. As minhas colegas são todas muito competitivas e tenho uma relação estritamente profissional com todas elas.

Pedro nem imaginava que esta inofensiva mentira iria ter tantas repercussões. O que ele não sabia é que Inês tinha-o visto com Patrícia na hora de almoço. Por um acaso do destino, o restaurante que Rita tanto queria experimentar era o mesmo em que ele estava a almoçar. E Inês tinha visto, ao longe, o comportamente de Pedro para com a sua colega. Notou logo que eram duas pessoas chegadas e quando viu Pedro beija-la levemente na face, não conseguiu aguentar mais e saiu a correr do restaurante. Rita foi atrás dela e conseguiu acalmá-la um pouco.

- Tem calma. O que vimos pode ter uma explicação.
- Como é que ele pode enganar-me desta forma? Eu confiei nele... – disse Inês, já com lágrimas visíveis no rosto.
- Eu sabia que isto iria acontecer... Já com o Alfredo tinha sido a mesma coisa.
- Não estás a precipitar-te um pouco? Eu não vi nada fora do normal.
- Tu não viste o mesmo que eu? Ele está a enganar-me com aquela mulher...
- Inês, eu sei que o Alfredo magou-te muito. Mas isso não pode ser uma justificação para começares a desconfiar do Pedro por uma coisa que tu podes não estar a intepretar correctamente. Nem todos os homens são como o Alfredo. Ele traiu a tua confiança sem tu o esperares. E isso faz com que te seja difícil confiar em alguém novamente. Mas tu gostas dele. É o que me tens dito desde o dia em que o conheceste. Achas que vale a pena acabar com ele, sem lhe dar uma oportunidade de se explicar. Não achas que ele merece isso?

Inês ouviu as palavras da sua amiga e sabia que ela tinha razão. Mas já tinha saído magoada uma vez e não queria que isso acontecesse novamente. Mas ela tinha ficado tão incomodada em ver Pedro com aquela mulher desconhecida. Decidiu então esperar pelo jantar que iam ter à noite para clarificar a situação. Foi por isso que quando Pedro começou a mentir-lhe na cara dela, que ela não aguentou mais.

- Posso mesmo acreditar em ti? – perguntou Inês com alguma rispidez.
- Porque é que estás a dizer isso? O que é que passa?
- Já sabia que não devia confiar em ti. Não posso acreditar numa única palavra que me tenhas dito.
- Mas o que é que eu fiz para te irritar tanto?
- Tu sabes bem o que fizeste. Eu vi-te hoje à tarde... Com aquela mulher ao almoço...

Pedro foi apanhado em contrapé. Só lhe restava tentar justificar porque lhe tinha mentido. E esperar que os danos causados não fossem irreparáveis.

- Eu posso explicar...
- A única coisa que eu sei que é que tu me mentiste.
- Mas ela não é nada para mim... É só uma amiga...
- Uma amiga... Não foi isso que me disseste há bocado... Tu mentiste-me...
- Eu peço imensa desculpa, mas não foi por mal. Podes ter a certeza de que ela não é mais do que uma amiga. Podes acreditar em mim...
- Como é que eu posso acreditar em ti? Como posso acreditar numa única palavra que me vás dizer... Como é que eu sei que não me vais mentir novamente...?
- Inês, tem calma. Deixa-me explicar. Eu não sabia que me tinhas visto...
- Essa é a tua melhor justifificação?... Pensei que conseguias fazer melhor – interrompeu Inês, com um tom irónico.
- ... Eu não sei porque menti, mas na realidade eu podia ter-te dito a verdade. A mulher com quem me viste é mesmo uma colega e é uma das minhas melhores amigas, a Patrícia. Ela não é mais para mim do que uma amiga e podes perguntar-lhe que ela irá dizer-te o mesmo.
- Então porque é que não me disseste logo isso?
- Não sei porque tive receio de te dizer. Sinceramente, tive medo de dizer-te que estive a almoçar sozinho com outra mulher. Podias interpretar mal a situação...
- Ao invés do que aconteceu... Se não aconteceu nada de mais, porque é que tinhas medo de dizer alguma coisa? O que é que pensaste?
- Não sei. Na realidade, acho que não pensei. Entrei em pânico, pois achei que estavas um pouco estranha comigo quando falámos ao telefone hoje à tarde e não queria dizer algo que piorasse as coisas...
- E preferiste mentir-me.
- Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu faria de maneira diferente. Mas agora não posso mudar o passado. O que queres que eu faça?
- Eu não quero que faças nada. Só quero é ir para casa...
- Inês, tu não queres que as coisas acabem assim. Eu tenho a certeza de que conseguimos resolver isso.
- Sinceramente, eu acho que não. Eu gostava de ti. Mas não posso estar com alguém em quem eu não confie. Eu já te tinha confessado que tinha sofrido muito no passado e tu prometeste não me magoar...
- Desculpa, mas.... – pediu novamente Pedro.
- Mas tu magoaste-te... Tu nem sabes o quanto eu gostava de ti. Eu pensava que eras diferente. Mas és como todo os outros... Não existe nada que possas fazer para que as coisas fiquem como dantes...
- Não existe nada que eu possa dizer ou fazer para que mudes a opinião?
- Infelizmente, acho que não. Nem consigo mais olhar para ti e falar contigo.

Um silêncio constrangedor invadiu a mesa, pois nenhum sabia mais o que dizer ao outro nesta situação. Notava-se que Inês estava triste e magoada, enquanto que Pedro estava com um ar desconsolado por saber que tinha estragado tudo. Passado cinco minutos, Inês levantou-se e disse que era melhor ela ir-se embora. Pedro ficou sem palavras e assistiu sem qualquer reacção à partida da única mulher que ele tinha amado na vida.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Capítulo 15

O passado escondido...

Inês respirou fundo e suspirou. Tinha acabado de terminar o último exame do último semestre do último ano do seu curso. Sabia que estava prestes a iniciar-se uma fase importante da sua vida profissional.

Porém, também estava a iniciar uma nova fase na sua vida pessoal, pois estava agora envolvida com um homem que tinha conhecido há pouco tempo, pelo qual estava completamente apaixonada. Ela também sabia que Pedro estava completamente apaixonado por ela. Mas lá no seu íntimo, ela tinha ainda algum receio de o deixar entrar no seu coração.
Ela ainda estava a recuperar de um namoro prolongado e que lhe tinha causado muito sofrimento e tinha jurado não se envolver com ninguém nos tempos mais próximos. Mas Pedro tinha conseguido convencê-la de que ele era a alma gémea dela... Mas era também o que ela pensava do Alfredo, o seu ex-namorado. E ele tinha-a magoado mais do ela pensava possível.

Ela ainda se lembrava do primeiro dia em que o conheceu. Tinha sido na faculdade, pois eram ambos da mesma turma. No início, ela não lhe tinha prestado muita atenção. Apesar dele ser o rapaz mais bem parecido da turma, a primeira impressão que tinha ficado dele não tinha sido muito boa, pois ele estava constantemente a flirtar com todas as raparigas da faculdade. E envolver-se com uma pessoa como ele era algo que Inês não tencionava fazer. Mas muitas vezes, as coisas não correm como pretendíamos.

Ela nem sabia que iria cometer o maior erro da sua vida, quando aceitou o pedido de uma colega que fazia parte do seu grupo de estudo, para que Alfredo também passasse a integra-lo.
Quase sem se dar por isso, ela e Alfredo começaram a dar-se cada vez melhor, até porque os inúmeros trabalhos de grupo a que os alunos do primeiro ano estavam sujeitos os obrigavam a passar juntos inúmeras noites. Quanto mais tempo estavam juntos, mais ela percebia que ele não era a pessoa que ela tinha imaginado. Ele era uma pessoa muito extrovertida como ela e que tinha necessidade de estar no centro das atenções. Mas era também um homem muito sensível e divertido. E não foi surpresa que ela se apaixonasse por ele. No início ela não queria admitir essa situação, mas passado algum tempo passou a ser impossível esconder os seus sentimentos, até porque sempre que estavam os dois sozinhos, existia um desconforto evidente.

E este ambiente durou até ao final do primeiro semestre, quando finalmente aconteceu algo que quebrou a apatia existente. Um dia, Inês recebeu uma mensagem de Alfredo, através da qual ele lhe pedia para o ajudar a estudar para a oral que ele ia ter no dia seguinte, pois estava em risco de chumbar naquela cadeira. Mesmo com o ambiente estranho que pairava entre os dois, ela não podia deixar de ajudar o seu amigo, pelo que ambos combinaram encontrar-se na biblioteca a seguir ao almoço.

Quando ela chegou à biblioteca, Alfredo já lá estava. Inês começou logo a fazer-lhe perguntas, por forma a prepara-lo para a oral. A tarde passou depressa, pois a matéria era muita e o tempo era cada vez mais escasso para o que ainda faltava cobrir. Por volta das dez da noite, Alfredo sugeriu que ambos fizessem uma pausa e fossem jantar, pois nem tinha reparado que já era tão tarde. Inês assentiu e decidiram ir a um pequeno café que ficava numa esquina perto da faculdade, e comer rapidamente qualquer coisa.
Ainda hoje ela se lembrava do que se tinha passado no café, como se tivesse sido ontem... Palavra por palavra...

- Muito obrigado por me estares a ajudar, Inês. Não saberia o que fazer sem ti.
- Tu sabes que os amigos são para as ocasiões. Tu bem sabes, ou já te esqueceste daquela noite em que me ajudaste a estudar para o exame de Introdução à Psicologia I? Nem sei como é que não chumbámos nessa cadeira.
- Sim, eu lembro-me perfeitamente daquela noite. Ou pelo menos, lembro-me do facto de não ter conseguido concentrar-me durante a noite toda, pois estava sempre a olhar para ti, pois estavas muito gira naquele vestido que estavas a usar. – disse Alfredo, antes de Inês corar como nunca tinha corado antes.
- Ainda te lembras do que eu estava a usar naquele dia? Eu nem me lembro do que almocei ontem.
- Eu só me lembro daquele dia, pois foi o dia em que percebi que eu nunca iria ser feliz, enquanto não estivesse contigo...

Inês nem acreditava no que estava a ouvir. Ela sabia que ele sabia que ela sentia algo por ele, mas nunca imaginou que ele sentisse o mesmo. E pela primeira vez na vida estava sem palavras.

- Eu sei que estou a ser muito lamechas, mas é o que eu sinto. Nos últimos meses, acho que posso dizer que fiquei-te a conhecer bem e sei que tu também sentes algo por mim. Não podes negar isso... Mas sei que tu nunca serias capaz de tomar qualquer iniciativa, sem teres um sinal de que eu sentia o mesmo... Por isso, tens aqui o teu sinal...
- Alfredo... Tens toda a razão quando dizes que eu sinto algo por ti, mas estou numa fase da minha vida em que quero encontrar alguém com quem possa ter uma relação séria e assentar. Foi por isso que eu nunca te disse nada sober o que sentia, pois acho que tu...
- ... que eu não sou uma pessoa séria e que nunca seria capaz de me comprometer... Que eu não sou homem de uma só mulher e que nunca seria capaz de te ser fiel... Era isso que querias dizer? – Interrompeu Alfredo, que já estava preparado para esta reacção de Inês.
- Eu não te quero ofender, mas sim... Era nisso em que eu estava a pensar.
- Inês... Eu posso ter sido assim no passado. Mas temos passado muito tempo juntos nos últimos seis meses. Consegues dizer-me que viste alguma atitude da minha parte que indicasse que eu ainda sou a mesma pessoa?
- Não. Para dizer a verdade, tu surpreendeste-me muito, pois acabaste por te revelar muito diferente do que estava à espera.
- Então dá-me uma hipótese. É só isso que te peço... Consegues olhar-me nos olhos e dizer-me que eu não mereço pelo menos uma hipótese?

Ela ainda tentou pensar em algo para refutar o que ele lhe dissera, mas não conseguiu encontrar nenhuma objecção. E foi nessa noite que começou o namoro, selado com um beijo apaixonado.

No início tudo era um mar de rosas. Ela estava completamente apaixonada por ele. Ele também demonstrava variás vezes, com gestos românticos, que ela era a mulher da sua vida. Isso não queria dizer que de vez em quando, não existissem alguns arrufos entre eles, principalmente pelo facto de Inês ser um bocado ciumenta. Ela ficava muito irritada quando algumas colegas e amigas dele mais atraentes falavam com ele. Esta situação foi complicada para ela de início, mas o tempo fez-lhe ver que os seus receios eram infundados e que ela podia confiar nele, pois mesmo que essas raparigas estivessem interessadas nele, ele gostava demasiado dela para lhes dar alguma conversa.

Os dois passavam cada vez mais tempo juntos, e começavam a pensar no futuro, ao ponto de terem começado a pensar em comprar uma casa em conjunto e passar a viver juntos. Assim, cerca de dois e anos e meio após terem começado a namorar, Alfredo arranjou um emprego em part-time para conseguir amealhar algum dinheiro para concretizar o sonho deles. Poucas eram as ocasiões em que ela e Alfredo conseguiam estar juntos, pois ele passou a frequentar a turma da noite e só chegava quando ela já estava deitada. Ainda por cima, ela notou que com o avançar do semestre, ele chegava a casa cada vez mais tade e cada vez mais cansado. Mas ela pensava que esta situação era apenas temporária, pois estavam quase a acabar o curso. Só tinham agora de fazer um pequeno sacrifício.

O que Inês não contava é que acontecesse algo que iria mudar profundamente a vida dela. Ainda hoje, ela não percebeu o que pode ter corrido mal... Mas o facto é que o período dela estava atrasado, o que não era nada normal, pois o ciclo dela era muito regular. Ainda pensou que fosse do stress, pois este último ano tinha sido muito complicado.
Infelizmente, não foi esse o caso, como o teste de gravidez que ela reluntantemente decidiu fazer lhe demonstrou. Ela não conseguiu deitar-se essa noite, tal era o nervosismo que tinha, por não saber a reacção que Alfredo teria. Isto iria mudar para sempre as suas vidas, pois eles já tinham falado em ter um filho, mas só daqui a três ou quatro anos, quando já tivessem uma vida mais estabilizada.
Ela decidiu então que tinha de contar-lhe o mais rápido possível. Porém, este não seria o tipo de novidades que ela queria dar por telefone. Decidiu então ir ter com ele à faculdade, pois ele costumava ficar na faculdade mais algum tempo após a última aula do turno da noite, a trocar apontamentos com os colegas.
Durante o caminho, ela só pensava na forma como lhe iria dizer. Repetiu várias vezes na sua cabeça os diversos cenários possíveis, mas tinha um pressentimento que tudo ia correr bem. Quando entrou na faculdade, viu Alfredo sentado numa mesa com uma colega.

Eles pareciam muito íntimos enquanto conversavam, mas Inês pensou que eram os seus ciúmes a falar mais alto. Por isso, qual não foi o seu espanto quando ela viu o seu namorado a beijar apaixonadamente a colega na boca ao mesmo tempo que acariciava o corpo dela. A sua supresa apenas foi superada pelo choque que Alfredo que teve quando a viu e percebeu que ela tinha assistido a tudo.
Inês ainda pensou em ir-se embora, mas não era do seu feitio fugir das situações difíceis, embora as lágrimas que lhe corriam pelos olhos não parassem de jorrar. Quando finalmente chegou ao pé de Alfredo, ele desmanchou-se em desculpas, mas ela não conseguia ouvir o que ele lhe dizia, pois estava visivelmente transtornada. Ela apenas voltou a dar atenção a Alfredo quando ele disse que não era assim que ele queria que ela descobrisse.

- Que eu descobrisse o quê? – murmurou Inês, com uma voz carregada da dor que estava a sentir.
- Que eu tinha encontrado outra pessoa. Eu não queria magoar-te, mas...
- Cala-te. Não quero ouvir mais uma palavra tua.
- ... mas eu amo a João. Eu amo-a de verdade. Quando estou com ela, sinto algo que já não sentia há muito tempo...

Inês tinha pensado que as coisas não podiam ter ficado pior, mas quando ouviu o namorado a dizer-lhe que amava a outra mulher, ela ficou ainda mais destroçada.

- Desculpa, mas é a verdade. Desde que a conheci no início do ano, que me sinto mais feliz do que quando estou contigo. Eu ainda gosto de ti, mas aquela atracção que sentia no início tem vindo a desaparecer, e com o tempo os meus sentimentos mudaram. E isso notou-se mais este ano, pois acho que começámos a afastar-nos e eu não queria enfrentar isso.

A reacção de Inês ao que Alfredo lhe estava a dizer era de perfeita incredulidade. Ela nunca tinha imaginado que isto lhe podia acontecer, pelo que não conseguia dizer nada, mas apenas continuar a chorar, pelo que Alfredo continou a tentar justificar-se.

- Há algum tempo que queria dizer-te alguma coisa, mas temos passado tão pouco tempo juntos que nunca surgiu a oportunidade de por tudo em pratos limpos. Eu não queria que tu descobrisses assim, mas eu tinha prometido à João que te ia contar tudo...
- Que nobre da tua parte. – disse com ironia Inês, que tinha finalmente conseguido recompor um pouco do choque que tinha tido. – Fico satisfeita por teres decidido dizer-me a verdade, seis meses após teres andado a enganar-me. Nem sei como te agradecer...
- Não sejas assim.. Eu sei que estás magoada, mas eu não queria que as coisas terminassem assim.
- Nem eu. Posso-te garantir que não era assim que eu esperava que esta noite terminasse... Odeio-te e nunca mais te quero ver na vida... – disse Inês antes de virar as costas a Alfredo e vê-lo pela última vez.

Logo que chegou a casa, Inês telefonou a Rita a contar-lhe tudo o que se tinha passado, que foi também completamente apanhada de surpresa por toda esta situação. Uma vez que Rita tinha voltado a Aveiro para estudar, raras eram as vezes em que estavam juntas. Mas estavam em contacto quase todos os dias por mail, pois tinham-se tornado muito próximas e amigas íntimas. Hoje, era a vez da Rita ouvir os desabafos da sua amiga.

- Sinto muito o que te aconteceu. Nem consigo imaginar o que estás a sentir agora – disse Rita, que tentava ser o menos condescendente possível.
- Eu não percebo o que aconteceu. Pensei que ele estava a fazer um esforço para que podessemos viver juntos, e afinal ele queria separar-se de mim...
- Ele não te merece. Se calhar foi melhor teres descoberto agora...
- Mas eu ainda o amava. – disse Inês, que recomeçou a chorar. O que eu hei-de fazer agora?
- Já pensaste em contar-lhe...?
- Não, nem pensar. Não o quero ver mais durante o resto da minha vida.
- Então, o que é que estás a pensar em fazer?
- Sinceramente, não faço ideia. Eu sou ainda nova e não consigo criar um filho sozinha. – respondeu Inês, com um ar hesitante - O que é que achas que devo fazer?
- Inês, nem sei como responder a essa questão. Tu sabes como é difícil para mim dar-te um resposta objectiva nesta matéria.
- Sim, eu sei... Mas alguma vez arrependeste-te da tua decisão?
- Foi uma decisão difícil na altura, mas mesmo hoje sei que foi a melhor decisão que podia tomar. Mas claro que de vez em quando aindo penso em como as coisas seriam se eu não tivesse.... Tu sabes...
- Pois... Desculpa estar a fazer-te reviver outra vez esta situação...
- Eu sei que a decisão não é fácil, mas tu sabes que eu vou estar ao teu lado, independentemente do que decidires.
- Sim, eu sei... Só não sei o que é que eu hei-de fazer...


Estas palavras ecoaram novamente na mente de Inês, mesmo tendo passado já quase um ano sobre essa noite. A decisão tinha sido difícil, mas ela não estava arrependida da decisão que tinha tomado. Mas hoje não era dia de pensar no passado. Ela estava certa de que a sua sorte tinha mudado quando conheceu Pedro.

De repente, sentiu o seu telemóvel a vibrar. O seu corpo tremeu só de pensar que poderia ser o Pedro, pois ele tinha ficado de ligar para combinar um jantar para comemorar o fim dos exames. Mas era apenas a sua amiga Rita, que queria apenas avisar que estava um pouco atrasada para o almoço que tinham combinado num restaurante que lhe tinham recomendado e que ela queria experimentar há algum tempo...