quarta-feira, agosto 06, 2003

Capítulo 4

Um encontro ocasional

Pedro tinha de se recompor da noite passada. Ao mesmo tempo que ia ouvindo a sua rádio favorita, tomou um duche prolongado, tentando não pensar mais na noite anterior. De seguida fez a barba e foi tomar o pequeno almoço no café do bairro. Nessa manhã, sentiu a necessidade de tomar dois cafés e comer uma enorme tosta mista.

De seguida, chamou um taxi. Tinha de ir à oficina buscar o seu Mercedes. Ele já sentia falta do seu carro. As mulheres não deviam ter direito a tirar a carta de condução.
Sempre que ele se lembrava daquele acidente, pensava que não era assim tão difícil pisar mo travão. Provavelmente, a mulher estava a conversar ao telemóvel a contar as novidades que tinha sobre o namorado da melhor amiga ou então a retocar a maquilhagem.

Pedro conduziu até ao emprego. Naquela zona era difícil estacionar, mas ele tinha direito a um lugar de estacionamento, o H13. A agência de publicidade ficava no 12 º andar de um prédio relativamente recente, que continha também três grandes empresas multinacionais na área de alimentação, uma consultora, uma escola de inglês e duas empresas na área das novas tecnologias.
Hoje tinha chegado relativamente cedo, por volta das 9h30. Não era habitual, pelo que ele devia estar um bocado perturbado. Nessa hora, o elevador parava em todos os andares, pelo que demorava uma eternidade para chegar ao último andar. Do seu gabinete, tinha uma vista lindíssima sobre a cidade.

Logo que chegou, Pedro foi tomar o seu terceiro café do dia. Às vezes, quando tinha de trabalhar até tarde, costumava tomar cinco ou seis por dia. Na sala de cafés (assim chamadas pelos colaboradores da empresa), conversava um bocado com Carlos, quando sentiu um toque leve no ombro. Era Patrícia, que tinha acabado de chegar.

- Hoje chegaste cedo. Não é nada normal chegares primeiro que eu. – gracejou Patrícia.
- Deves estar a brincar. Eu cheguei à hora habitual. Tu é que te atrasaste um bocado. Deves ter tido uma grande noite...
- Por acaso...
- Alguém teve sorte ontem à noite. Diz lá quem foi o sortudo.- perguntou Pedro, com ar de quem estava muito curioso .
- Ninguém que tu conheças. E tu não tens nada a ver com isso...
- Porque não? Tenho de zelar pela felicidade das minhas colegas. E se elas começam a sair com pessoas pouco recomendáveis...
- Sim. Pessoas como o Pedro – brincou Carlos. – Até parece que estás com ciúmes.
- Ciúmes? Como é que adivinhaste? Como é que soubeste que a Patrícia era a mulher da minha vida. Eu até estava a pensar em pedi-la hoje em casamento. Bem, fica para outra oportunidade.
- Tu? Casar? Não sei porquê, mas não te vejo a estar casado. Parece-me que vais ficar solteiro para o resto da vida. E vais ter ai uns três ou quatro filhos de mulheres casadas – replicou Patrícia, que estava a gostar daquela conversa.
- As pessoas podem mudar. Não concordas?

Carlos fingiu que pensava um bocado e depois respondeu à pergunta de Pedro.
- As pessoas sim. Mas tu vais ficar sempre na mesma.
- Vou considerar isso como sendo um elogio.

De repente, um telemóvel tocou. Pedro procurou o telemóvel no bolso do casco, mas não o conseguiu encontrar.

- Merda. Não me digam que eu perdi o telemóvel.
- Não o deixaste em cima da tua mesa?
- Acho que não. A última vez que me lembro de o ter utilizado, foi no carro, quando liguei para a minha irmã.
- Não te preocupes. O mais provável é teres deixado-o no teu Mercedes. E como é que ele estava, quando o foste buscar?
- Estava como novo. Não se via nem um risco. E fizeram uma limpeza ao carro. Limpara e aspiraram–no completamente. Já sabes como sou desarrumado.
- Pois. Desde momento que estivemos três horas à procura daquele briefing para o cliente na tua secretária. Parecia que estávamos no meio de uma guerra. Imagina que ainda lá estava um jornal de três meses atrás, ainda por ler.
- Homens! Não se importam de viver em pocilgas. E ainda te admiras de nenhuma mulher querer entrar em tua casa- Retorquiu Patrícia.

Pedro assentiu com um abanar de cabeça e desceu até à garagem. Ficou aliviado quando encontrou o telemóvel no carro. Mas tinha uma chamada não atendida, de um número não identificado. Ele detestava quando aquilo acontecia. Mas pensava sempre que se fosse realmente importante, voltavam a ligar.

Chamou novamente o elevador para subir, que surpreendentemente, chegou num instante. Quando parou no rês de chão, Pedro quase teve um ataque cardíaco. Qual não foi a sua surpresa quando viu entrar no elevador a mulher que tanto o tinha perturbado no dia anterior.

Quando ela disse bom dia, ele sentiu-se diferente, incapaz de pronunciar uma única palavra. O seu coração batia cada vez mais rápido, sem que ele o pudesse fazer qualquer coisa. Ela era mais linda do que ele pensava. Vestia um daqueles vestidos floridos, que as raparigas costumam usar no verão, que evidenciavam todas as curvas do corpo feminino. E o cheiro dela não ajudava. Devia ser o perfume com o aroma mais delicioso que tinha encontrado. Só lhe apetecia cheirar a parte de trás do pescoço e dar-lhe um beijo suave.

Mas nada. Ele não tinha qualquer reacção. Ela ia para o 10º andar. O tempo não era muito. A sua mente estava nublada, sem qualquer indício do que deveria fazer. Era talvez a última hipótese que teria para poder falar com ela. Tinha de dizer qualquer coisa.

- Sabias que “em 1930 um homem foi preso, acusado de bestialismo por molestar sexualmente um pato em Nova Iorque” * ?

Tinha sido a coisa mais parva que tinha dito na vida. Tinha ouvido essa notícia de manhã na rádio, e foi a única coisa que lhe tinha vindo à cabeça. Seguiu-se um momento muito embaraçoso para ele. Será que ela achava que ele era um tarado sexual? Tinha desperdiçado a melhor oportunidade da sua vida.

- Sim, sabia. Isso é ... um desbloqueador de conversa – respondeu de forma surpreendente. – também a ouvi hoje de manhã. Eu não consigo perder um único programa. É um dos meus únicos vícios.

O seu sorriso era um dos mais bonito s que tinha visto. E a simpatia com que respondeu fê-lo pensar que ela tinha gostado do que ele tinha dito.

- Eu tenho de ouvir todos os dias esse programa. As minhas manhãs são terríveis. Custa-me muito acordar.

O elevador chegou ao 10 º andar. Ela despediu-se e ia a sair do elevador, quando Pedro gritou:

- Eu sei que pode parecer um bocado repentino, mas queres tomar um cafézinho?




* in “O Homem que mordeu o cão”

terça-feira, agosto 05, 2003

Capítulo 3

O Sonho

Quando Pedro acordou, tentou recordar-se de todos os pormenores do sonho que tinha tido.
Ele só pensava que nunca tinha tido um sonho como aquele.
Só se lembrava de alguns pormenores. Mas que pormenores...

Era uma manhã linda de Primavera. Ele estava dentro de uma igreja para assistir a um casamento. Estava sentado junto de uma mulher muito atraente que nunca tinha visto e a combinar um encontro para depois do copo de água, quanto ouve a marcha nupcial a anunciar a entrada da noiva.

Era a mulher que tinha encontrado no dia anterior. Nunca tinha visto um anjo tão bonito na terra. Vestia um lindo vestido branco, muito trabalhado que mostravam um decote pouco profundo, mas que ainda assim faziam suspirar qualquer homem na sala.

Quando a noiva chegou ao altar, o padre perguntou onde estava o noivo. Todos os olhos se viraram para Pedro e para a sua acompanhante com um ar reprovador.

- O que estás a a fazer aí? Não devias estar junto da Susana? – gritou Pedro, que era o seu padrinho.

Ele correu então o mais depressa possível em direcção à porta da igreja, e quando estava prestes a sair, ouviu uma voz doce que mais parecia de um anjo:

- Eu amo-te. – disse Susana, com lágrimas nos olhos.

Foi o suficiente para Pedro deixar de correr. Ele inspirou fundo e deslocou-se lentamente para junto da sua noiva. Quando se encontrou junto dela, pediu-lhe desculpas e beijou-a na boca...

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Foi esse beijo que o fez acordar do sonho. Mais propriamente, dum pesadelo. Sim, porque para ele, o casamento era o maior tormento que poderia acontecer a um homem. O homem não é um ser monogâmico por natureza. Tem a necessidade de ter várias parceiras. Por isso, o casamento era algo contra a natureza do homem. Para além, disso, era também como ser condenado a prisão perpétua, pois ficaria privado para sempre da sua liberdade.

Foi isso que o assustou. Nunca tinha pensado em casar, ainda para mais numa altura em que estava no pleno da sua vida.

Mas aquela mulher tinha-o perturbado. E ele nunca mais a iria ver na vida....

Susana? Seria esse o seu nome? Ou seria Maria? Ana? Marta?

Não, Susana parecia bem. Seria a sua Suzie.

Pedro sentiu que tinha de sair daquele estado de quase catatonia. Tinha de encarar a realidade. Tinha tido um bilhete de lotaria premiado nas mãos, mas tinha-o perdido antes de o pode reclamar.
Mais valia pensar em outras mulheres que também nunca iria ter: a Giselle Bunchen, a Laetitia Casta ou a Marisa Cruz.

segunda-feira, agosto 04, 2003

Capítulo 2

No trabalho

Pedro chegou ao emprego por volta das 11h00. Já era habitual que ele chegasse ao escritório um pouco antes da hora do almoço.
Mas desta vez, existia uma coisa diferente. Quando chegava, Pedro começava logo a pensar na campanha publicitária que tinha em mãos. Mas desta vez, ele não conseguia deixar de pensar na mulher que tinha visto.

- Em que estás a pensar? - perguntou Carlos, ao ve-lo tão distraído. Tinham-se conhecido há cerca de dois anos, quando entraram ambos para a mesma agência. Ele era o oposto dele, e se calhar era essa a razão porque se tinham tornado bons amigos.
Carlos era um homem responsável, que tinha casado com a namorada do liceu, após seis anos de namoro. Mas mesmo assim, conseguiram entender-se logo no momento em que se conheceram.

- Pedro? Está alguém em casa?
- Hum?! Desculpa lá. Mas estava distraído.
- Deixa-me adivinhar. Estavas a pensar numa rapariga qualquer que acabaste de ver na rua?- disse Carlos a sorrir.
- Como é que adivinhaste?
- Eu já te conheço há algum tempo. E sei que daqui a meia hora já estás a pensar na melhor forma de convidar a Luísa, da contabilidade para sair hoje à noite.
- Mas ela não arranjou um namorado há duas semanas?
- Isso nunca te impediu antes.
- Pois não Enquanto elas não tiverem um anel no dedo, para mim ainda estão disponíveis. Mas desta vez é diferente.
- Pois. Foi um amor à primeira vista.
- Amor? Quem falou em amor? Eu encontrei a mulher mais boa do mundo e tu vens cá falar-me em amor?
- Ah! Este já é o Pedro que eu conheço...
- Mas digo-te, nunca tinha tido um desejo tão forte de estar com alguém. Ela não é melhor do que a Marisa Cruz e a Pamela Anderson juntas.
- Deves estar mesmo apanhado por ela. Sempre disseste que não existia ninguém como a Marisa Cruz.
- Eu estava enganado. Mas agora não sei o que fazer.
- Porque não experimentas telefonar-lhe?
- Porque não tenho o número de telefone dela. Não cheguei a falar com ela. E acho que nunca mais a vou ver....

- Do que estão a falar? - interrompeu Patrícia. Patrícia era a única mulher que estava na equipa criativa de agência. Era uma mulher muito engraçada, morena, e com uma alegria contagiante. Pedro sempre a achara muito atraente, mas nunca a tinha convidado para sair.
- Nada de especial.- disse Carlos. Estávamos só a discutir a vida amorosa do Pedro.
- Ah! Deve ter sido um conversa muito curta?
- Engraçadinha - gracejou Pedro. Até parece que tu tens uma vida amorosa.
- Mas eu não estou com ninguém por opção. Sou uma mulher independente que não tem tempo para ter uma vida pessoal. Tu sabes como são os nossos horários.
- Pois. São desculpas. Tu estáss é à espera que alguém deste escritório te convide para tomar um copo- brincou Carlos, sem imaginar que Patrícia iria ficar vermelhíssima.
- Nãoo acham que é altura de começarmos a trabalhar? Temos um deadline amanhã e acho que a Patrícia já está arrependida de nos ter interrompido.

Foi desta forma que Pedro decidiu terminar conversa, porque sabia que o trabalho era a melhor forma de não pensar noutras coisas.


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Depois de um árduo dia de trabalho, em que o almoço tinha sido uma sandes de atum comprada à pressa numa loja de sandes que ficava perto do escritório , Pedro preparava-se para sair quando ouviu Carlos a chamá-lo.

- Então, já de saída?
- Já? São dez da noite e estou mesmo a precisar de jantar.
- Já esqueceste a tal rapariga?
- Bem, até tu falares agora, nunca mais tinha pensado nela.
- O Pedro que eu conheço está de volta. Bem vindo.
- Não gozes comigo. E tu? A tua mulher não está à tua espera, em casa?
- Ela a esta hora deve estar a ver a telenovela, por isso não vai sentir minimamente a minha falta até à meia-noite.
- Ela e mais metade de Portugal...

Pedro despediu-se de Carlos. Apanhou o taxi que tinha chamado e foi para casa. Era uma casa enorme e muito vazia. Via-se que não vivia lá uma mulher. Tinha um móvel com uma televisão de plasma, um leitor DVD, cinco colunas enormes, um subwoofer, um PC topo de gama. Não havia outra decoração, que Pedro considerava como sendo mariquices próprias de mulheres.

Foi à cozinha, retirou a lasanha do congelador, colocou-a durante 10 minutos no microondas e comeu-na na sala, enquanto via um daqueles concursos em que se mostrava o quão ignorantes são os portugueses. Era uma comédia melhor do que os Malucos do Riso.
Ele tinha tido um dia muito cansativo e adormeceu na sala , ao mesmo que uma concorrente respondia que cinco ao quadrado eram 10.

sexta-feira, junho 20, 2003

Capítulo 1


O Primeiro dia


Tudo começou num dia como tantos outros. Era um dia cinzento, com o céu coberto de nuvens que apenas deixavam passar alguns raios de sol.
Pedro estava a andar calmamente numa das ruas mais movimentadas de Lisboa, quando tudo aconteceu...

Ele era um jovem publicitário de 25 anos, e que era o sonho de qualquer mulher. Tinha acabado de comprar uma casa nova com 4 assoalhadas no centro de Lisboa (com um empréstimo de 30 anos), tinha um Mercedes do último modelo (que estava na oficina devido a um toque sofrido num acidente causado por uma condutora sem qualquer experiência) e tinha sido recentemente promovido. Era um homem elegante, que fazia musculação 3 vezes por semana no ginásio ao pé de casa e que tinha sido modelo durante os anos de faculdade para pagar as despesas. Desde os 18 anos que vivia sozinho. Quando foi para a faculdade, estava decidido a tornar-se independente dos seus pais, que tinham fortuna mais do que suficiente para que o filho nunca precissasse de trabalhar.
Mas ele estava decidido a ser livre e seguir a seu próprio caminho, sem estar sujeito a ninguém.

Ele nunca se sentiu preso por qualquer mulher. A sua única paixão tinha sido a Joana. Colega desde o primeiro ano da faculdade, tinham-se aproximado porque tinham em comum uma forte vontade de viver as coisas dia-a-dia nunca pensando no futuro. Eram pessoas muito parecidas que faziam sempre o que queria, independentemente do que os outros pensassem. Mas um certo dia, Joana decidiu que queria algo mais. Foi nesse preciso momento que começou o fim da relação. Pedro nunca tinha pensado em ter uma relação muito séria que pudesse cortar a sua liberdade.

Desde esse dia, há quase quatro anos, que Pedro já tinha tido cerca de 15 namoradas. Nenhuma relação nunca durou mais de dois meses. Inexplicavelmente, ou talvez não, sempre que Pedro conseguia o que queria, desinteressava-se rapidamente. Perdia totalmente o desejo pela sua companheira. E após uma semana sem responder aos telefonemas, passava para a rapariga seguinte.

Até aquele dia. Pedro viu-a do outro lado da rua. Já tinha estado raparigas mais giras e mais sexys. Mas nunca tinha sentido nada assim. Ele não conseguiu perceber o que estava a passar dentro dele. Foi atracção à primeira vista. Foi algo instintivo. Ela era alta, loira e de olhos claros. Vestia uma mini saia curtinha e um top branco que não mostrava quase nada do seu corpo. Devia ter uns 20 ou 21 anos e devia andar na faculdade, porque levava debaixo do braço um livro ou uma enciclopédia que parecia muito pesada.

Tentou atravessar rapidamente a rua, mas foi impedido pelos carros que passavam a alta velocidade. Assim, sem poder fazer nada, viu-a a entrar num Fiat Uno já com alguns anos e ir-se embora.

Foi a primeira vez que ele a viu. Ele não sabia que não seria a última vez que se encontrariam.