Inês levantou-se da cama com um sorriso nos lábios… parecia-lhe que finalmente que tudo estava a correr-lhe bem. As coisas estavam a correr muito bem no seu emprego, não estava agora a sair muito tarde e aos poucos as coisas estavam a recompor-se com Pedro. Não, ainda era cedo demais para reatar com ele, mas o tempo tinha-a levado a pensar que ele estava mesmo mudado e que já faltava cada vez menos para que os dois se juntassem novamente…Até porque ela sentia mesmo a falta dele…Mas tinha mesmo de ter alguma paciência até porque tinha prometido à Rita e ela não era pessoa para quebrar uma promessa à sua amiga.
Mas depressa o sorriso desapareceu, após ter demorado quase uma hora e meia para chegar ao escritório, devido a um acidente que apanhou no caminho. Não era muito habitual ela chegar atrasada… muito pelo contrário, mas hoje era daqueles dias em que tudo parecia estar a correr mal, pois assim que chegou, a sua colega Sónia avisou-lhe que o chefe dela, o Dr. Rui tinha perguntando por ela. A Inês só pensava na sua sorte: no preciso e raro dia em que chegava atrasada, o chefe perguntava por ela. O que mais poderia acontecer?
Ela levantou-se logo da sua mesa e dirigiu-se ao gabinete do Dr. Rui, que ao contrário do habitual, encontrava-se fechado. Foi então informada pela secretária que ele se encontrava numa reunião que iria demorar toda a manhã, e que ela deveria tentar falar mais tarde com ele.
Inês resignou-se e sabia que não podia fazer mais nada do que esperar e continuar a trabalhar. Mas ficou interrogada sobre qual o motivo que o seu chefe teria para querer falar com ela.
Mas a sua curiosidade aumentou, quando o seu departamento foi convocado para uma reunião a seguir ao almoço. Todos se interrogavam sobre o motivo pelo qual a reunião tinha sido marcada e surgiram alguns rumores de que estavam a pensar fazer cortes no pessoal, para reduzir custos. Quando estes rumores chegaram aos ouvidos de Inês, ela começou a ficar preocupada, pois era das pessoas com menos tempo de casa e com menos experiência. O dia só parecia que estava a piorar cada vez mais e a sua ansiedade aumentava a cada momento que passava.
Mas finalmente tinha chegado a hora da reunião. Todas as pessoas do departamento entraram silenciosamente na sala de reuniões marcada para o efeito e sentaram-se sem grande alarido, à espera que o chefe chegasse. Já não faltava muito para que as dúvidas fossem dissipadas.
Quando o Dr. Rui chegou à sala agradeceu a todos os presentes a sua presença e começou a falar das dificuldades económicas que a empresa estava a passar, com a crise a afectar a actividade da empresa. O pânico começou a assaltar o espírito das pessoas na sala, pois não imaginavam onde é que esta conversa iria terminar. Inês foi uma dessas pessoas. O seu nervosismo aumentava a cada palavra que era dita e não podia fazer nada para o impedir. Seria por isso que o seu chefe tinha querido falar com ela de manhã?
Mas felizmente, passado meia hora ouviu-se um suspiro de alívio conjunto na sala. O Dr. Rui comunicou que por forma a fazer face às necessidades dos outros departamentos da empresa nesta altura mais complicada, tinha sido decido pela Direcção a criação imediata de um projecto que envolvia vários departamentos para tentar responder aos desafios que se apresentavam. E que seria necessárias duas pessoas do departamento financeiro, para fora do horário normal de trabalho, participar nesse projecto, o que iria implicar um grande sacrifício pessoal dos voluntários.
O único a oferecer-se quase de imediato foi o Diogo, o que não surpreendeu nenhum dos presentes da sala. Era mesmo o tipo de pessoa que estava disposto a trabalhar fora de horas por forma a mostrar-se aos chefes e progredir na sua carreira. Mas seguiu-se um momento de silêncio constrangedor, em que mais ninguém se voluntariou.
Inês debateu-se com um dilema pessoal. Ela até achava que seria um projecto interessante e que iria enriquecer a sua carreira, mas por outro lado implicava mais uma série de noites de trabalho duro e stressante, o que iria novamente prejudicar a sua vida pessoal. E a sua relação com Pedro… ou melhor, a sua quase-relação com Pedro podia ser afectada por isso.
Mas não podia deixar que os sentimentos por alguém pudessem afectar a sua carreira. Se ele realmente gostasse dela, estaria disposto a esperar mais um pouco, até que ela tivesse mais disponibilidade para ele. Era um sinal de que ele tinha realmente crescido face ao passado.
Por isso, de forma muito relutante, Inês acabou por se voluntariar para integrar o projecto, sem imaginar o impacto que essa decisão acabaria por ter na sua vida.
Ela e o Diogo foram então informados pelo seu chefe que o projecto iria iniciar-se já na segunda-feira seguinte, tendo este também agradecido a ambos a sua disponibilidade.
Inês suspirou então de alívio, pois pelo menos iria ter o fim-de-semana para se preparar para as semanas difíceis que viriam. Mas depois lembrou-se que iria passar novamente mais uma série de semanas com o Diogo e a sua impessoalidade… Mas não podia fazer nada para evitar isso…
Mas depressa chegou o primeiro dia do projecto. Ou mais propriamente a primeira noite… O responsável do projecto explicou a todos os membros da equipa, na qual Inês e Diogo estavam incluídos, que o projecto tinha a duração prevista de um mês, embora pudesse ser prolongado mais umas semanas, dependendo da evolução do mesmo. E formou as várias equipas de entre os presentes, tendo ela e Diogo ficado integrados na mesma equipa.
Inês pensou que iria ser um mês difícil, pois já estava habituada à atitude demasiado profissional e introvertida do seu colega. Mas era um sacrifício que teria de fazer. E um mês passava num instante. Pelo menos era o que ela esperava.
Mas a primeira noite deu para ela ter uma amostra do que lhe estava destinado. Foi uma noite em que ambos ficaram praticamente calados o tempo todo a tentar preencher os documentos e relatórios. O silêncio era apenas interrompido quando ela tinha algumas dúvidas, que Diogo não se importava de retirar. Mas tirando isso, ele não lhe dirigia a palavra. E ela, por sua vez, mesmo sendo muito extrovertida, sentia-se algo condicionada, pois não queria estar a meter conversa com ele, quando era claro que ele não estava interessado nisso e apenas queria trabalhar. No final da noite, quando todas as equipas foram para casa, contavam-se pelos dedos as vezes em que o silêncio tinha sido quebrado entre os dois.
Inês quando chegou a casa, antes de se ir deitar, apenas pensou que iria ser um mês muito comprido e não tinha esperança de que as coisas melhorassem.
As suas previsões acabaram-se por concretizar, pois o resto da semana foi muito semelhante ao primeiro dia. Custava-lhe muito que isso acontecesse, pois ela por natureza tinha a tendência para tagarelar, mas a frieza com que o colega a tratava, tirava-lhe qualquer vontade de falar com ele. Até porque ele mostrava-se muito concentrado no que estava a fazer e demonstrava que não queria ser incomodado com coisas triviais. Ela não se podia queixar da ajuda dele, pois ele era uma pessoa muito inteligente e prática e conseguia desenrascá-los aos dois nas tarefas que eram atribuídas à equipa. Mas ela não estava a ser ela própria. E isso era algo que ela detestava.
Mas as coisas não mudavam. Dia após dia, a rotina era sempre a mesma. Depois do trabalho normal diário, iam os dois para a sala de reuniões com as restantes equipas envolvidas no projecto. E ela acabava invariavelmente na mesma equipa do Diogo, onde o trabalho decorria sempre da mesma forma.
Até que numa noite, Inês decidiu que tinha mesmo de falar com o seu colega. Eles até estavam a cumprir com as tarefas que lhes iam sendo atribuídas, mas não percebia o motivo pelo qual ele agia assim. E mais valia falar agora, do que aguentar mais duas semanas e meias naquela situação inconfortável. Isto se o projecto não se prolongasse.
Por isso, numa altura em que as coisas estavam mais calmas, ela decidiu arriscar.
- Diogo… Podemos falar?
- Claro. Tens alguma dúvida?
- Não, não era por causa de nenhuma dúvida. Precisava de esclarecer uma coisa contigo.
Inês reparou logo na mudança da expressão facial do seu colega quando disse essas palavras, pois tinha-se tornado ainda mais sisuda.
- Mas sobre o que queres falar? – Interrogou-se Diogo, mostrando um certo ar de surpresa.
- Queria falar da forma como estamos a trabalhar juntos.
- Mas achas que não estamos a trabalhar bem? Estamos a fazer tudo o que nos foi pedido e até já fomos elogiados por isso.
- Sim… eu sei… mas não é isso. É que queria falar da forma como nós os dois nos relacionamos. Não sei… parece que não gostas de mim e tentas evitar falar comigo… até pode não ser isso, mas é a impressão com que fico.
- Inês… podes estar descansada… não tenho nada contra ti… é só que estou muito concentrado no que estou fazer e quero garantir que as coisas correm bem.
- E achas que eu não quero? E que não estou empenhada no projecto? É que acho que as coisas poderiam correr melhor se nos dessemos melhor… as horas e as noites passariam mais depressa…
Diogo calou-se momentaneamente e reflectiu no que haveria de dizer. Sabia que ela tinha razão. Eles estavam praticamente obrigados a estar mais tempo juntos do que com as próprias famílias e amigos e não era justo para ela ter como companhia alguém que não queria falar com ela a não ser quando fosse necessário. Ele tinha sido sempre uma pessoa fechada por natureza… era mesmo próprio da sua personalidade… mas soube que tinha de fazer um esforço para ser mais sociável, pois caso contrário poderia surgir problemas com Inês, o que iria acabar por afectar o projecto.
- Sim… tens toda a razão… mas tens de perceber que eu sou assim por natureza… mas vou fazer um esforço para melhorar…
- É só isso que te peço. Não te vou obrigar a mudares, mas agradeço que pelo menos estejas disposto a fazer o esforço.
- Sim… vou fazer esse esforço. Eu prometo.
- E para iniciar esta nova fase, fazemos um pacto. Cada um irá contar algo que mais ninguém aqui na empresa sabe. E quero que saibas que podes confiar em mim.
- Inês…- disse Diogo, após uma breve pausa – essa questão nunca se colocou. Nunca me deste motivos para não confiar em ti. Mas queres que eu comece?
- Não…como fui eu que tive a ideia, eu começo. Sabes quem eu descobri que andava com a Mónica da área comercial? O André da área das compras. Cá eles fingem que não se conhecem, mas um dia vi-os muito juntos num restaurante, num jantar romântico.
- Não… A sério? Nem fazia ideia? Mas mais alguém sabe?
- Não… eu não contei nada a ninguém… Não tem nada a ver comigo, nem com mais ninguém da empresa. É daquele tipo de coisas que diz respeito apenas a eles os dois e a mais ninguém. E só te conto a ti, pois sei que não vais contar a ninguém.
- Obrigado pela confiança. Claro que não vou contar a ninguém. Agora é a minha vez, certo?
- Sim… Estou curiosa para saber o que aí vem…
- Mas prometes que fica entre nós?
- Claro que sim…
- Bem.. A Mónica e o Jorge não são os únicos que têm um romance no escritório… - disse Diogo, aguçando a curiosidade da sua colega. - Eu tenho uma relação secreta com a Sónia já há uns meses.
Inês ficou completamente chocada. Nunca iria pensar que a sua amiga Sónia se pudesse envolver com alguém como o Diogo. Eram pessoas muito diferentes e com personalidades opostas. Se bem que ela tinha dito que estava a andar com alguém nos últimos tempos e estava a fazer segredo da pessoa.
- Não posso… Estás mesmo a falar a sério?
Diogo fez mais uma pausa, tendo colocado um ar muito sério antes de responder à sua colega.
- Achas mesmo? – disse Diogo, tentando evitar um sirriso.
- Não sei… Podia ser verdade… mas não foi isso o combinado. Era suposto contarmos um ao outro uma coisa que mais ninguém soubesse – reclamou Inês, como era seu hábito.
- E foi o que fiz. Provei-te que tenho um sentido de humor, ao contrário do que todos no escritório pensam…
Inês esboçou um genuíno sorriso ao seu colega e soube que as coisas iriam mudar para melhor e que ambos se iriam dar melhor no futuro…
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