quinta-feira, dezembro 27, 2007

Capítulo 16

A primeira discussão...

Pedro tinha regressado ao escritório após o almoço. Estava satisfeito por finalmente ter tido a oportunidade de falar com Patrícia. Ele já estava a sentir-se culpado por ter escondido durante tanto tempo a sua vida amorosa a uma das suas melhores amigas. Ele prezava os conselhos dela mais do que os de ninguém, pois não existia ninguém em cujos conselhos confiasse mais. E ela achava que ele devia dizer a Inês o que sentia.

Ele tinha estado a pensar constantemente nisso nos últimos tempos, e estava bastante indeciso, mas Patrícia tinha-o completamente convencido a dizer a Inês que a amava. Ele sabia que era um risco pois não tinha a certeza de que ela sentisse a mesma coisa por ele. Mas sentia que tinha de lhe dizer que a amava de verdade, como nunca tinha amado ninguém. Na verdade, ele já tinha dito a várias raparigas que as amava, mas sentiu que esta era a primeira vez em que estava a ser sincero, do fundo do seu coração.
Por isso, o seu coração batia de forma acelerada. Ele não parava de pensar na reacção dela quando ele lhe dissesse, pois desejava no seu íntimo, que ela sentisse o mesmo. Mas tinha tomado a decisão, e não existia nada que o fosse demover.

E hoje iria ser o dia em que lhe iria contar. Ligou a Inês para combinarem jantar juntos nessa noite. Mas algo parecia diferente. A forma como ela lhe tinha falado tinha sido um bocado esquisita. Ele sentia que algo estava errado, mas não sabia o quê. Talvez tivesse sido o exame que lhe tivesse corrido mal, ou outra coisa qualquer. Mas ele sabia que ela estava distante.
Quando desligou, Pedro começou a duvidar novamente se seria boa ideia dizer a Inês que a amava. Era um passo importante, e o facto dele não ter reconhecido naquela pessoa com quem tinha falado ao telefone a rapariga que tanto amava, mostrou-lhe que afinal não a conhecia tão bem. Seria ainda cedo demais, e estaria a precipitar-se? A indecisão começou a pairar na sua mente, mas decidiu que tinha de lhe dizer o que sentia.

- Então, quando é que lhe vais dizer-lhe? – disse Patrícia, ao mesmo tempo que lhe tocava suavemente no ombro. – Já decidiste?
- Ah? Ainda não sei. Talvez hoje à noite? – respondeu Pedro, visivelmente apanhado de surpresa pela frontalidade da sua amiga.
- Só hoje à noite? Não achas que lhe devias dizer-lhe agora?
- Agora? Não sei se é daquelas coisas que lhe devia dizer ao telefone, sabes?
- Mas do que é que estás a falar? Ele está ali, na sala dele, à espera de que digas alguma coisa sobre a campanha. É só levantares o teu rabo dessa cadeira, andar dez metros e entrar no gabinete dele.
- Desculpa. Pensei que estavas a falar de outra coisa. – Vou já ter com ele.
- Não me digas. Estavas a pensar naquela pessoa de quem falamos no almoço.
- Tu já me conheces. Achas que eu estaria a pensar em assuntos pessoais no meu horário de trabalho?
- Queres mesmo que te responda a isso?
- Não, é melhor não...
- Sempre vais dizer-lhe, não vais? – perguntou-lhe, pois ainda tinha a pequena esperança de que ele não seguisse o conselho que ela lhe tinha dado e mudasse de ideias. Talvez ele lhe dissesse que afinal já não amava aquela rapariga.
- Hoje à noite... Nem sei como lhe vou dizer...
- Sinceramente, acho que não deves planear nada. Sê tu próprio, e acho que as coisas irão sair-te naturalmente. Tu és das melhores pessoas a improvisar sobre pressão, como tantas vezes demonstraste aqui.
- Mas isto é diferente. Eu não quero que nada corra mal.
- Eu sei. Mas tenho a certeza de que tudo vai correr pelo melhor.- disse Patrícia, ao mesmo tempo que era chamada pelo chefe com alguma urgência.

Ao levantar-se, emitiu um pequeno suspiro que passou despercebido a Pedro, pois apercebeu-se que já não conseguia fazer mais este papel de melhor amiga. Cada vez que tentava apoiar Pedro e dar-lhe força para dizer a Inês o que sentia, sofria por dentro, pois ela amava-o tanto ou mais do que aquela rapariga. E custava-lhe muito vê-lo apaixonado de verdade por outra pessoa. E o que podia ela fazer? Nada, absolutamente nada. Mas mais do que tudo, era amiga dele e lá no fundo, tudo o que queria era que ele fosse feliz. Só não percebia porque ele não podia ser feliz com ela...

A tarde foi agitada para ambos, pois tiveram de fazer um esforço de última hora para conseguirem acabar o draft das respectivas campanhas a tempo de enviarem as coisas ainda no final desse dia para os clientes. Ao final da tarde, Pedro reparou nas horas. Ia mesmo ligar a Inês a dizer-lhe que ia chegar atrasado, mas foi chamado de urgência pelo chefe que estava numa conference call com o cliente. Após essa reunião, o stress era tanto, que não se tinha mais lembrado de ligar a Inês. Já tinha passado quase meia hora da hora combinada, quando ele finalmente lhe ligou a dizer que estava naquele momento a saír do escritório e que ia já a correr para o restaurante. Sentiu logo pelo tom de voz dela que ela não tinha gostado muito fo facto dele não a ter avisado mais cedo, mas imaginou que ela iria compreender a situação assim que ele lhe explicasse o que tinha sucedido.

Quando ele finalmente chegou, dirigiu-se à mesa que tinha reservada, na qual já Inês estava à espera há cerca de três quartos de hora. A caminho da mesa, reparou no ar de Inês. Ele nunca a tinha visto assim. Ela tinha sempre um ar radiante e irradiava simpatia por todos os lados. Mas não era isso que ela aparentava hoje. Soube logo que tinha de pedir imensas desculpas pelo atraso e compensá-la de alguma forma. E achou também que talvez hoje não era o dia certo para dizer-lhe que a amava. Ele sentia claramente que o ambiente não estava apropriado para o que lhe tencionava dizer.

- Desculpa lá o atraso. Peço imensa desculpa, mas hoje tive mesmo um dia muito complicado no trabalho, e as reuniões que tive prolongaram-se por mais tempo do que estava à espera. Mas podes estar descansada que nem todos os dias são assim.
- Não há problema. Acontece... Só gostaria que me tivesses avisado que estavas atrasado. Não te custava nada e eu escusava de estar aqui sozinha. Sentia que toda a gente estava a olhar para mim, a ter pena de mim, pelo facto do meu namorado se ter baldado...
- Inês, se esse foi o teu problema, podes estar descansada. Tenho a certeza de que toda a gente estava a olhar para ti, mas por outro motivo. Eles estavam todos a olhar para a mulher mais bonita desta sala...

Inês não conseguiu evitar um esboço de um sorriso. Ele tinha esse efeito nela, e por mais que estivesse chateada com ele, ele conseguia conquistá-la novamente.

- Espero que não penses que os elogios desculpam o teu atraso... – respondeu, fingindo que estava ainda zangada com ele.
- Eu acho que os meus actos não têm desculpa. Qualquer homem seria parvo em deixar-te aqui sozinha, pois corria o risco de seres abordada de cinco em cinco minutos por alguém a oferecer-te uma bebida.... Por isso podes estar descansada, que esta será a última vez que isto acontece...
- È só mesmo por causa disso que vais fazer tudo para que isto nunca mais aconteça...
- Claro que sim.. Que outra razão poderia existir?

Ambos sorriram ao mesmo tempo. Pedro sentiu que este primeiro precalço tinha sido ultrapasssado, e que as coisas estavam a voltar ao normal. Ele sabia que tinha de fazer tudo para que esta relação corresse bem, porque a amava de verdade e não saberia o que fazer se a perdesse. Nada poderia correr mal e ele sabia que não poderia repetir os erros que tinha cometido no passado com outras mulheres.

- Queres então dizer que não confias em mim... – inquiriu Inês...
- Eu confio plenamente em ti. Não confio é nos homens que aqui estão. Eu conheço-os bem e sei que eles só têm uma coisa no pensamento.
- Queres então dizer que tu também só tens uma coisa no pensamento.
- Eu não. Eu sou diferente da maioria dos outros homens...
- Tens a certeza? Pela minha experiência, os homens são todos iguais...
- Nem todos. Se queres que eu te diga a verdade, todos os homens nascem iguais. Mas existem certos momentos na vida que nos mudam para sempre... – Pedro fez uma pequena pausa...- E um dos momentos mais marcantes foi quando que tu entraste na minha vida. E toda a gente que conheço dir-te-á isso.
- Tens a certeza? Se calhar é melhor pedir-te agora os telemóveis de todos os teus amigos e ligar-lhes para confirmar isso, antes de continuarmos a jantar – brincou Inês.
- Estás à vontade. Mas acho que podes poupar o teu dinheirinho. Podes confiar em mim.
- Posso mesmo? – perguntou Inês, mas desta vez com um tom mais sério.
- Podes ter a certeza que sim... Eu nunca te iria mentir ou esconder nada. Quero que a nossa relação seja o mais transparente possível. E não quero que exista nada que te faça duvidar disso.
- Sabes que a confiança é algo que se conquista.
- Sim, tenho a perfeita noção disso. Mas ainda não fiz nada que quebrasse a tua confiança em mim...
- Disseste bem... Ainda não fizeste nada. – disse Inês, tentando não mostrar o que realmente sentia, fingindo que se estava a meter com Pedro.
- Pois, mas podes ter a certeza de que isso irá continuar assim. Pois eu gosto muito de ti e não te queria magoar. E estou disposto a fazer tudo para que tenhas plena confiança em mim.
- Talvez possas começar por escolher o meu jantar... – disse Inês, que já estava com fome há algum tempo.

Pedro escolheu uma das especialidades da casa, o salmão grelhado, para os dois. Pediu também um vinho tinto já com alguns anos e que ele, apesar dos seus parcos conhecimentos em termos de vinhos, sabia que era dos melhores vinhos naquele restaurante.

Os dois estiveram a conversar durante a noite toda. Aquele pequeno precalço tinha sido ultrapassado e Pedro sentiu que a rapariga que estava agora à sua frente já era novamente a Inês por quem se tinha apaixonado. Mas de repente, Inês colocou uma cara mais séria e lançou uma pergunta, vinda do nada.

- Mas diz-me uma coisa? Achas que vou ficar à noite muitas vezes à tua espera?
- Só mesmo quando estamos próximos do nosso deadline e o cliente pressiona-nos para ter as coisas prontas para ontem.
- E isso acontece muitas vezes?
- Depende um pouco da campanha e do cliente. O meu trabalho é muito dinâmico e posso encontrar de tudo.
- Mas hoje à tarde, quando me ligaste, as coisas pareciam mais calmas.
- Tens toda a razão, mas isso não quer dizer nada. As coisas mudam ali dentro, de um instante para o outro. Basta o cliente pedir alguma coisa com urgência, que as nossas prioridades mudam logo. Posso dizer-te que antes do almoço, as coisas estavam calmíssimas e que eu pensava que iria sair cedo à tarde no escritório.
- Que engraçado. Já vi que o teu horário é muito flexível. Nem fazia a mínima ideia. Por exemplo, hoje até poderíamos ter almoçado juntos depois do meu exame. Bastava termos combinado para um pouco mais tarde, que dava...
- Normalmente sim, pois posso gerir o meu tempo. Desde que consiga ter a campanha pronta antes do deadline, posso ir almoçar à hora que quiser e voltar à hora que quiser. Mas por exemplo, hoje não podia, pois tive uma almoço de trabalho com um colega. Mas em qualquer outro dia, é só uma questão de combinarmos.
- Mas costumas dar-te bem com os teus colegas?
- Para ser sincero, o ambiente lá é um pouco competitivo, e mesmo quando estamos a trabalhar para a mesma campanha, todos procuram marcar pontos juntos dos chefes. Cada um está a fazer por si, pois só assim se consegue progredir na carreira. Mas para quem vê de fora, parece que todos lá dentro fazem parte da mesma equipa.
- Assim é complicado fazer amigos por lá... Nunca sabes se eles são mesmo teus amigos ou não.
- Lá dentro, são muito poucos os colegas em quem confio plenamente e que posso considerar como sendo meus amigos. Quanto aos outros, tenho sempre cuidado com o que lhes digo.
- E tens muitas colegas lá dentro na agência? – disse Inês, tentando mostrar de propósito o ciúme na sua voz.
- Algumas, mas podes estar descansada. Não existe nenhuma mulher como tu lá dentro.
- Sinto-me bastante mais tranquilizada – disse Inês, com um tom irónico muito perceptível para Pedro.
- Podes acreditar no que te estou a dizer. Não tenho nenhuma amiga lá dentro. As minhas colegas são todas muito competitivas e tenho uma relação estritamente profissional com todas elas.

Pedro nem imaginava que esta inofensiva mentira iria ter tantas repercussões. O que ele não sabia é que Inês tinha-o visto com Patrícia na hora de almoço. Por um acaso do destino, o restaurante que Rita tanto queria experimentar era o mesmo em que ele estava a almoçar. E Inês tinha visto, ao longe, o comportamente de Pedro para com a sua colega. Notou logo que eram duas pessoas chegadas e quando viu Pedro beija-la levemente na face, não conseguiu aguentar mais e saiu a correr do restaurante. Rita foi atrás dela e conseguiu acalmá-la um pouco.

- Tem calma. O que vimos pode ter uma explicação.
- Como é que ele pode enganar-me desta forma? Eu confiei nele... – disse Inês, já com lágrimas visíveis no rosto.
- Eu sabia que isto iria acontecer... Já com o Alfredo tinha sido a mesma coisa.
- Não estás a precipitar-te um pouco? Eu não vi nada fora do normal.
- Tu não viste o mesmo que eu? Ele está a enganar-me com aquela mulher...
- Inês, eu sei que o Alfredo magou-te muito. Mas isso não pode ser uma justificação para começares a desconfiar do Pedro por uma coisa que tu podes não estar a intepretar correctamente. Nem todos os homens são como o Alfredo. Ele traiu a tua confiança sem tu o esperares. E isso faz com que te seja difícil confiar em alguém novamente. Mas tu gostas dele. É o que me tens dito desde o dia em que o conheceste. Achas que vale a pena acabar com ele, sem lhe dar uma oportunidade de se explicar. Não achas que ele merece isso?

Inês ouviu as palavras da sua amiga e sabia que ela tinha razão. Mas já tinha saído magoada uma vez e não queria que isso acontecesse novamente. Mas ela tinha ficado tão incomodada em ver Pedro com aquela mulher desconhecida. Decidiu então esperar pelo jantar que iam ter à noite para clarificar a situação. Foi por isso que quando Pedro começou a mentir-lhe na cara dela, que ela não aguentou mais.

- Posso mesmo acreditar em ti? – perguntou Inês com alguma rispidez.
- Porque é que estás a dizer isso? O que é que passa?
- Já sabia que não devia confiar em ti. Não posso acreditar numa única palavra que me tenhas dito.
- Mas o que é que eu fiz para te irritar tanto?
- Tu sabes bem o que fizeste. Eu vi-te hoje à tarde... Com aquela mulher ao almoço...

Pedro foi apanhado em contrapé. Só lhe restava tentar justificar porque lhe tinha mentido. E esperar que os danos causados não fossem irreparáveis.

- Eu posso explicar...
- A única coisa que eu sei que é que tu me mentiste.
- Mas ela não é nada para mim... É só uma amiga...
- Uma amiga... Não foi isso que me disseste há bocado... Tu mentiste-me...
- Eu peço imensa desculpa, mas não foi por mal. Podes ter a certeza de que ela não é mais do que uma amiga. Podes acreditar em mim...
- Como é que eu posso acreditar em ti? Como posso acreditar numa única palavra que me vás dizer... Como é que eu sei que não me vais mentir novamente...?
- Inês, tem calma. Deixa-me explicar. Eu não sabia que me tinhas visto...
- Essa é a tua melhor justifificação?... Pensei que conseguias fazer melhor – interrompeu Inês, com um tom irónico.
- ... Eu não sei porque menti, mas na realidade eu podia ter-te dito a verdade. A mulher com quem me viste é mesmo uma colega e é uma das minhas melhores amigas, a Patrícia. Ela não é mais para mim do que uma amiga e podes perguntar-lhe que ela irá dizer-te o mesmo.
- Então porque é que não me disseste logo isso?
- Não sei porque tive receio de te dizer. Sinceramente, tive medo de dizer-te que estive a almoçar sozinho com outra mulher. Podias interpretar mal a situação...
- Ao invés do que aconteceu... Se não aconteceu nada de mais, porque é que tinhas medo de dizer alguma coisa? O que é que pensaste?
- Não sei. Na realidade, acho que não pensei. Entrei em pânico, pois achei que estavas um pouco estranha comigo quando falámos ao telefone hoje à tarde e não queria dizer algo que piorasse as coisas...
- E preferiste mentir-me.
- Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu faria de maneira diferente. Mas agora não posso mudar o passado. O que queres que eu faça?
- Eu não quero que faças nada. Só quero é ir para casa...
- Inês, tu não queres que as coisas acabem assim. Eu tenho a certeza de que conseguimos resolver isso.
- Sinceramente, eu acho que não. Eu gostava de ti. Mas não posso estar com alguém em quem eu não confie. Eu já te tinha confessado que tinha sofrido muito no passado e tu prometeste não me magoar...
- Desculpa, mas.... – pediu novamente Pedro.
- Mas tu magoaste-te... Tu nem sabes o quanto eu gostava de ti. Eu pensava que eras diferente. Mas és como todo os outros... Não existe nada que possas fazer para que as coisas fiquem como dantes...
- Não existe nada que eu possa dizer ou fazer para que mudes a opinião?
- Infelizmente, acho que não. Nem consigo mais olhar para ti e falar contigo.

Um silêncio constrangedor invadiu a mesa, pois nenhum sabia mais o que dizer ao outro nesta situação. Notava-se que Inês estava triste e magoada, enquanto que Pedro estava com um ar desconsolado por saber que tinha estragado tudo. Passado cinco minutos, Inês levantou-se e disse que era melhor ela ir-se embora. Pedro ficou sem palavras e assistiu sem qualquer reacção à partida da única mulher que ele tinha amado na vida.

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