sexta-feira, agosto 17, 2007

Capítulo 15

O passado escondido...

Inês respirou fundo e suspirou. Tinha acabado de terminar o último exame do último semestre do último ano do seu curso. Sabia que estava prestes a iniciar-se uma fase importante da sua vida profissional.

Porém, também estava a iniciar uma nova fase na sua vida pessoal, pois estava agora envolvida com um homem que tinha conhecido há pouco tempo, pelo qual estava completamente apaixonada. Ela também sabia que Pedro estava completamente apaixonado por ela. Mas lá no seu íntimo, ela tinha ainda algum receio de o deixar entrar no seu coração.
Ela ainda estava a recuperar de um namoro prolongado e que lhe tinha causado muito sofrimento e tinha jurado não se envolver com ninguém nos tempos mais próximos. Mas Pedro tinha conseguido convencê-la de que ele era a alma gémea dela... Mas era também o que ela pensava do Alfredo, o seu ex-namorado. E ele tinha-a magoado mais do ela pensava possível.

Ela ainda se lembrava do primeiro dia em que o conheceu. Tinha sido na faculdade, pois eram ambos da mesma turma. No início, ela não lhe tinha prestado muita atenção. Apesar dele ser o rapaz mais bem parecido da turma, a primeira impressão que tinha ficado dele não tinha sido muito boa, pois ele estava constantemente a flirtar com todas as raparigas da faculdade. E envolver-se com uma pessoa como ele era algo que Inês não tencionava fazer. Mas muitas vezes, as coisas não correm como pretendíamos.

Ela nem sabia que iria cometer o maior erro da sua vida, quando aceitou o pedido de uma colega que fazia parte do seu grupo de estudo, para que Alfredo também passasse a integra-lo.
Quase sem se dar por isso, ela e Alfredo começaram a dar-se cada vez melhor, até porque os inúmeros trabalhos de grupo a que os alunos do primeiro ano estavam sujeitos os obrigavam a passar juntos inúmeras noites. Quanto mais tempo estavam juntos, mais ela percebia que ele não era a pessoa que ela tinha imaginado. Ele era uma pessoa muito extrovertida como ela e que tinha necessidade de estar no centro das atenções. Mas era também um homem muito sensível e divertido. E não foi surpresa que ela se apaixonasse por ele. No início ela não queria admitir essa situação, mas passado algum tempo passou a ser impossível esconder os seus sentimentos, até porque sempre que estavam os dois sozinhos, existia um desconforto evidente.

E este ambiente durou até ao final do primeiro semestre, quando finalmente aconteceu algo que quebrou a apatia existente. Um dia, Inês recebeu uma mensagem de Alfredo, através da qual ele lhe pedia para o ajudar a estudar para a oral que ele ia ter no dia seguinte, pois estava em risco de chumbar naquela cadeira. Mesmo com o ambiente estranho que pairava entre os dois, ela não podia deixar de ajudar o seu amigo, pelo que ambos combinaram encontrar-se na biblioteca a seguir ao almoço.

Quando ela chegou à biblioteca, Alfredo já lá estava. Inês começou logo a fazer-lhe perguntas, por forma a prepara-lo para a oral. A tarde passou depressa, pois a matéria era muita e o tempo era cada vez mais escasso para o que ainda faltava cobrir. Por volta das dez da noite, Alfredo sugeriu que ambos fizessem uma pausa e fossem jantar, pois nem tinha reparado que já era tão tarde. Inês assentiu e decidiram ir a um pequeno café que ficava numa esquina perto da faculdade, e comer rapidamente qualquer coisa.
Ainda hoje ela se lembrava do que se tinha passado no café, como se tivesse sido ontem... Palavra por palavra...

- Muito obrigado por me estares a ajudar, Inês. Não saberia o que fazer sem ti.
- Tu sabes que os amigos são para as ocasiões. Tu bem sabes, ou já te esqueceste daquela noite em que me ajudaste a estudar para o exame de Introdução à Psicologia I? Nem sei como é que não chumbámos nessa cadeira.
- Sim, eu lembro-me perfeitamente daquela noite. Ou pelo menos, lembro-me do facto de não ter conseguido concentrar-me durante a noite toda, pois estava sempre a olhar para ti, pois estavas muito gira naquele vestido que estavas a usar. – disse Alfredo, antes de Inês corar como nunca tinha corado antes.
- Ainda te lembras do que eu estava a usar naquele dia? Eu nem me lembro do que almocei ontem.
- Eu só me lembro daquele dia, pois foi o dia em que percebi que eu nunca iria ser feliz, enquanto não estivesse contigo...

Inês nem acreditava no que estava a ouvir. Ela sabia que ele sabia que ela sentia algo por ele, mas nunca imaginou que ele sentisse o mesmo. E pela primeira vez na vida estava sem palavras.

- Eu sei que estou a ser muito lamechas, mas é o que eu sinto. Nos últimos meses, acho que posso dizer que fiquei-te a conhecer bem e sei que tu também sentes algo por mim. Não podes negar isso... Mas sei que tu nunca serias capaz de tomar qualquer iniciativa, sem teres um sinal de que eu sentia o mesmo... Por isso, tens aqui o teu sinal...
- Alfredo... Tens toda a razão quando dizes que eu sinto algo por ti, mas estou numa fase da minha vida em que quero encontrar alguém com quem possa ter uma relação séria e assentar. Foi por isso que eu nunca te disse nada sober o que sentia, pois acho que tu...
- ... que eu não sou uma pessoa séria e que nunca seria capaz de me comprometer... Que eu não sou homem de uma só mulher e que nunca seria capaz de te ser fiel... Era isso que querias dizer? – Interrompeu Alfredo, que já estava preparado para esta reacção de Inês.
- Eu não te quero ofender, mas sim... Era nisso em que eu estava a pensar.
- Inês... Eu posso ter sido assim no passado. Mas temos passado muito tempo juntos nos últimos seis meses. Consegues dizer-me que viste alguma atitude da minha parte que indicasse que eu ainda sou a mesma pessoa?
- Não. Para dizer a verdade, tu surpreendeste-me muito, pois acabaste por te revelar muito diferente do que estava à espera.
- Então dá-me uma hipótese. É só isso que te peço... Consegues olhar-me nos olhos e dizer-me que eu não mereço pelo menos uma hipótese?

Ela ainda tentou pensar em algo para refutar o que ele lhe dissera, mas não conseguiu encontrar nenhuma objecção. E foi nessa noite que começou o namoro, selado com um beijo apaixonado.

No início tudo era um mar de rosas. Ela estava completamente apaixonada por ele. Ele também demonstrava variás vezes, com gestos românticos, que ela era a mulher da sua vida. Isso não queria dizer que de vez em quando, não existissem alguns arrufos entre eles, principalmente pelo facto de Inês ser um bocado ciumenta. Ela ficava muito irritada quando algumas colegas e amigas dele mais atraentes falavam com ele. Esta situação foi complicada para ela de início, mas o tempo fez-lhe ver que os seus receios eram infundados e que ela podia confiar nele, pois mesmo que essas raparigas estivessem interessadas nele, ele gostava demasiado dela para lhes dar alguma conversa.

Os dois passavam cada vez mais tempo juntos, e começavam a pensar no futuro, ao ponto de terem começado a pensar em comprar uma casa em conjunto e passar a viver juntos. Assim, cerca de dois e anos e meio após terem começado a namorar, Alfredo arranjou um emprego em part-time para conseguir amealhar algum dinheiro para concretizar o sonho deles. Poucas eram as ocasiões em que ela e Alfredo conseguiam estar juntos, pois ele passou a frequentar a turma da noite e só chegava quando ela já estava deitada. Ainda por cima, ela notou que com o avançar do semestre, ele chegava a casa cada vez mais tade e cada vez mais cansado. Mas ela pensava que esta situação era apenas temporária, pois estavam quase a acabar o curso. Só tinham agora de fazer um pequeno sacrifício.

O que Inês não contava é que acontecesse algo que iria mudar profundamente a vida dela. Ainda hoje, ela não percebeu o que pode ter corrido mal... Mas o facto é que o período dela estava atrasado, o que não era nada normal, pois o ciclo dela era muito regular. Ainda pensou que fosse do stress, pois este último ano tinha sido muito complicado.
Infelizmente, não foi esse o caso, como o teste de gravidez que ela reluntantemente decidiu fazer lhe demonstrou. Ela não conseguiu deitar-se essa noite, tal era o nervosismo que tinha, por não saber a reacção que Alfredo teria. Isto iria mudar para sempre as suas vidas, pois eles já tinham falado em ter um filho, mas só daqui a três ou quatro anos, quando já tivessem uma vida mais estabilizada.
Ela decidiu então que tinha de contar-lhe o mais rápido possível. Porém, este não seria o tipo de novidades que ela queria dar por telefone. Decidiu então ir ter com ele à faculdade, pois ele costumava ficar na faculdade mais algum tempo após a última aula do turno da noite, a trocar apontamentos com os colegas.
Durante o caminho, ela só pensava na forma como lhe iria dizer. Repetiu várias vezes na sua cabeça os diversos cenários possíveis, mas tinha um pressentimento que tudo ia correr bem. Quando entrou na faculdade, viu Alfredo sentado numa mesa com uma colega.

Eles pareciam muito íntimos enquanto conversavam, mas Inês pensou que eram os seus ciúmes a falar mais alto. Por isso, qual não foi o seu espanto quando ela viu o seu namorado a beijar apaixonadamente a colega na boca ao mesmo tempo que acariciava o corpo dela. A sua supresa apenas foi superada pelo choque que Alfredo que teve quando a viu e percebeu que ela tinha assistido a tudo.
Inês ainda pensou em ir-se embora, mas não era do seu feitio fugir das situações difíceis, embora as lágrimas que lhe corriam pelos olhos não parassem de jorrar. Quando finalmente chegou ao pé de Alfredo, ele desmanchou-se em desculpas, mas ela não conseguia ouvir o que ele lhe dizia, pois estava visivelmente transtornada. Ela apenas voltou a dar atenção a Alfredo quando ele disse que não era assim que ele queria que ela descobrisse.

- Que eu descobrisse o quê? – murmurou Inês, com uma voz carregada da dor que estava a sentir.
- Que eu tinha encontrado outra pessoa. Eu não queria magoar-te, mas...
- Cala-te. Não quero ouvir mais uma palavra tua.
- ... mas eu amo a João. Eu amo-a de verdade. Quando estou com ela, sinto algo que já não sentia há muito tempo...

Inês tinha pensado que as coisas não podiam ter ficado pior, mas quando ouviu o namorado a dizer-lhe que amava a outra mulher, ela ficou ainda mais destroçada.

- Desculpa, mas é a verdade. Desde que a conheci no início do ano, que me sinto mais feliz do que quando estou contigo. Eu ainda gosto de ti, mas aquela atracção que sentia no início tem vindo a desaparecer, e com o tempo os meus sentimentos mudaram. E isso notou-se mais este ano, pois acho que começámos a afastar-nos e eu não queria enfrentar isso.

A reacção de Inês ao que Alfredo lhe estava a dizer era de perfeita incredulidade. Ela nunca tinha imaginado que isto lhe podia acontecer, pelo que não conseguia dizer nada, mas apenas continuar a chorar, pelo que Alfredo continou a tentar justificar-se.

- Há algum tempo que queria dizer-te alguma coisa, mas temos passado tão pouco tempo juntos que nunca surgiu a oportunidade de por tudo em pratos limpos. Eu não queria que tu descobrisses assim, mas eu tinha prometido à João que te ia contar tudo...
- Que nobre da tua parte. – disse com ironia Inês, que tinha finalmente conseguido recompor um pouco do choque que tinha tido. – Fico satisfeita por teres decidido dizer-me a verdade, seis meses após teres andado a enganar-me. Nem sei como te agradecer...
- Não sejas assim.. Eu sei que estás magoada, mas eu não queria que as coisas terminassem assim.
- Nem eu. Posso-te garantir que não era assim que eu esperava que esta noite terminasse... Odeio-te e nunca mais te quero ver na vida... – disse Inês antes de virar as costas a Alfredo e vê-lo pela última vez.

Logo que chegou a casa, Inês telefonou a Rita a contar-lhe tudo o que se tinha passado, que foi também completamente apanhada de surpresa por toda esta situação. Uma vez que Rita tinha voltado a Aveiro para estudar, raras eram as vezes em que estavam juntas. Mas estavam em contacto quase todos os dias por mail, pois tinham-se tornado muito próximas e amigas íntimas. Hoje, era a vez da Rita ouvir os desabafos da sua amiga.

- Sinto muito o que te aconteceu. Nem consigo imaginar o que estás a sentir agora – disse Rita, que tentava ser o menos condescendente possível.
- Eu não percebo o que aconteceu. Pensei que ele estava a fazer um esforço para que podessemos viver juntos, e afinal ele queria separar-se de mim...
- Ele não te merece. Se calhar foi melhor teres descoberto agora...
- Mas eu ainda o amava. – disse Inês, que recomeçou a chorar. O que eu hei-de fazer agora?
- Já pensaste em contar-lhe...?
- Não, nem pensar. Não o quero ver mais durante o resto da minha vida.
- Então, o que é que estás a pensar em fazer?
- Sinceramente, não faço ideia. Eu sou ainda nova e não consigo criar um filho sozinha. – respondeu Inês, com um ar hesitante - O que é que achas que devo fazer?
- Inês, nem sei como responder a essa questão. Tu sabes como é difícil para mim dar-te um resposta objectiva nesta matéria.
- Sim, eu sei... Mas alguma vez arrependeste-te da tua decisão?
- Foi uma decisão difícil na altura, mas mesmo hoje sei que foi a melhor decisão que podia tomar. Mas claro que de vez em quando aindo penso em como as coisas seriam se eu não tivesse.... Tu sabes...
- Pois... Desculpa estar a fazer-te reviver outra vez esta situação...
- Eu sei que a decisão não é fácil, mas tu sabes que eu vou estar ao teu lado, independentemente do que decidires.
- Sim, eu sei... Só não sei o que é que eu hei-de fazer...


Estas palavras ecoaram novamente na mente de Inês, mesmo tendo passado já quase um ano sobre essa noite. A decisão tinha sido difícil, mas ela não estava arrependida da decisão que tinha tomado. Mas hoje não era dia de pensar no passado. Ela estava certa de que a sua sorte tinha mudado quando conheceu Pedro.

De repente, sentiu o seu telemóvel a vibrar. O seu corpo tremeu só de pensar que poderia ser o Pedro, pois ele tinha ficado de ligar para combinar um jantar para comemorar o fim dos exames. Mas era apenas a sua amiga Rita, que queria apenas avisar que estava um pouco atrasada para o almoço que tinham combinado num restaurante que lhe tinham recomendado e que ela queria experimentar há algum tempo...