As palavras que nunca te direi
E tudo parecia correr bem na relação entre Pedro e Inês. Apesar de não conseguirem encontrarem-se todos os dias, quer por causa dos exames de Inês, quer por causa da campanha complicadíssima que tinha surgido na empresa de Pedro e que estava a aproximar-se do seu deadline, passavam quase uma hora por dia ao telemóvel a conversar.
E quando se juntavam para jantar, as emoções vinham à flor de cima. Ambos sentiam-se bem um com o outro e não havia um segundo em que as suas mãos não estivessem juntas. Há muito tempo que Inês não se sentia assim tão feliz. Depois do que tinha passado, nunca tinha imaginado que pudessse encontrar novamente um homem que a fizesse assim tão feliz. Mas também era esse o problema. Quanto mais se apaixonasse por alguém, maior seria o sofrimento se as coisas não corressem bem. Inês tinha jurado nunca mais deixar que alguém a magoasse como no passado. Mas com Pedro, as suas defesas abriram-se totalmente e estava a deixar este homem entrar no seu coração. E sabia que ele sentia o mesmo por ela.
Mas a relação ainda estava um bocado indefinida. Ambos gostavam de estar um com um outro, mas nenhum tinha ainda dado o primeiro passo no sentido de clarificar as coisas. Os dois andavam juntos, era certo. Mas nunca ninguém tinha falado numa relação mais séria.
Pedro nunca tinha tido no passado essa necessidade de ter uma relação com alguém. Para ele, o que interessava era o presente e viver dia a dia. Tinha sido esse um dos motivos para todas as relações dele terem acabado. O seu medo de compromissos era evidente para todos os que o rodeavam e quando as suas namoradas se apercebiam disso, estava dado o primeiro passo para o fim da relação.
Mas desta vez era diferente. Pedro não queria perder Inês por nada deste mundo. E ele estava disposto a fazer tudo por ela. Pela primeira vez na vida, Pedro sentia-se preparado para uma relação séria com uma mulher que ele achava que iria amar para o resto da vida. E estava disposto a demonstrar a Inês o que sentia.
Por seu turno, Inês também estava um pouco preocupada com esta indefinição. Mas por motivos diferentes de Pedro. Ela tinha acabado de sair de uma relação há pouco mais de seis meses, que não correu muito bem. Ela tinha sofrido bastante numa relação que tal como esta tinha começado muito bem. Mas com o tempo, ela acabou por conhecer melhor o agora ex-namorado. E se soubesse o que sabia agora, nunca se tinha dedicado de corpo e alma a ele. O seu coração andou magoado por muito tempo. Desde o fim desse namoro, que o seu coração estava fechado. Muitos tentaram romper a barreira que Inês tinha criado à sua volta. Mas só Pedro o tinha conseguido. Ela no início encontrava-se receosa de que a história se repetisse novamente. No seu íntimo tinha receio de que ele a magoasse. Mas agora que se estavam a conhecer melhor, ela sentiu que isso não iria acontecer, pois acreditava que Pedro a amava realmente e que faria tudo para que ela não saísse magoada. Inês começava assim a voltar a acreditar no amor. Mas mesmo assim, gostava desta indefinição. Não queria assumir nada mais sério enquanto não estivesse preparada. E achava que Pedro estava na mesma situação. E era isso que bastava a Inês por agora.
Porém, Inês não imaginava que Pedro pensava cada vez mais nesse asssunto, pois não queria partilhá-lha com mais ninguém. Ele sabia que ela não tinha saído com mais ninguém desde o dia em que se conheceram. Mas mesmo assim, ele queria que todos soubessem que ela era dele e que mais ninguém a podia ter.
Pedro sentia que estava numa nova fase da sua vida. Tinha finalmente encontrado alguém com quem queria passar o resto da vida. Sentia também que tinha mudado nas últimas semanas. E precisava de partilhar isso com uma das pessoas em quem mais tinha confiado no passado. Se bem que ultimamente, tinha deixado de confidenciar tanto com a Patrícia o que lhe ia na alma e preferido falar com o Carlos sobre a sua nova paixão. Pedro achava que era mais normal estar a falar de uma rapariga com um amigo do que com outra rapariga e tinha sido esse o único motivo para ter sido mais reservado com a Patrícia sobre esta nova fase da sua vida,
Mas tendo em conta que a sua relação com Inês estava tornar-se cada vez mais séria, Pedro achava que já era altura de falar com a amiga e saber a opinião dela. Patrícia tinha-o já apoiado várias vezes no último ano, sempre que ele tinha precisado dela. Tinham-se tornado próximos, ao ponto de terem combinado sair várias vezes fora do trabalho. Pedro estranhava sempre que Patrícia nunca vinha acompanhada quando eles saíam, mas pensou que devesse ao facto dela estar muito preocupada com a ascensão na empresa e não ter tempo para se envolver numa relação. Pedro conhecia bem a sua amiga e sabia que ela não era uma mulher para se envolver com alguém por quem não sentisse algo, apenas para não estar só. Era uma mulher forte e independente, que qualquer homem teria muita sorte se fosse o escolhido dela. E estava já a sentir-se mal por não partilhar com a amiga os sentimentos mais recentes.
Por isso decidiu almoçar com a Patrícia nesse dia. Só não sabia se ela estaria disponível, pois estavam em campanhas diferentes e não sabia se ela estaria muito ocupada. Mas nada melhor do que lhe perguntar. Pedro dirigiu-se à mesa de Patrícia, que estava absorta nos seus pensamentos a pensar numa nova ideia, e sem esta se aperceber de que ele tinha entrado, colocou-se atrás dela e deu-lhe um pequeno toque no ombro.
Patrícia quase deu um salto, pois tinha apanhado um pequeno choque. Não era novidade, pois tinham colocado recentemente uma alcatifa nova no escritório e o que não faltava era electricidade estática. Já tinha apanhado alguns choques, mas nenhum tão forte como este.
- Já vi que estás muito eléctrica. – Disse Pedro, não conseguindo evitar um sorriso.
- Parvo. Assustaste-me um bocado. Já ouviste falar em bater à porta?
- Tu é que me disseste que a tua porta estava sempre aberta para mim. Mesmo a da tua casa de banho.
- Hoje estás muito engraçadinho. Diz-me lá o que queres, pois estou um bocado atrapalhada com esta campanha. Tenho uma apresentação ao cliente amanhã, e ainda não consegui terminar tudo. Não tenho tempo para parvoíces. – disse Patrícia, tentando fingir que estava zangada com Pedro. Mas ela gostava quando ele vinha ter com ela e brincar um pouco. Já algum tempo que não o fazia.
- Já vi que vim cá perder o meu tempo. Queria ver se vinhas almoçar comigo, mas se estás assim tão ocupada, vou retirar-me dos teus aposentos e deixar-te trabalhar em paz…
- Fazes muito bem. – disse Patrícia, também não conseguindo evitar um ligeiro sorriso.
- Mas de certeza que não te consigo convencer? Conheço um arroz de polvo que está a chamar pelo teu nome.
- Já te disseram que és um chato? Tu tens o dom de chatear tanto as pessoas, que elas fazem tudo o queres, só para as deixarem em paz.
- Isso é claramente um sim. Então, saímos de cá quando forem quinze para a uma…
- Olha que vou contrariada. E tu pagas o almoço.
- Tu és uma negociadora difícil. Mas negócio fechado. Tudo para ter o prazer de almoçar contigo.
Após Pedro ter saído, Patrícia continuou a pensar. Mas agora, a campanha já não estava no seu pensamento. Ela não parava de pensar no motivo pelo qual ele a tinha convidado para almoçar. Não era a primeira vez. Na realidade, já tinham ido variadíssimas vezes almoçar um com o outro, mas já há algumas semanas que ela sentia que ele já não lhe dava tanta atenção como no passado. Por isso, este convite surgido do nada começou a incomodá-la. Só podia ser por causa da Inês. Essa mulher mistério de que já tinha ouvido Pedro tanto elogiar a Carlos nos últimos tempos.
Patrícia começou a ficar incomodada, com receio de que ele lhe dissesse que estava a apaixonar-se por essa rapariga. Tudo menos isso. Ela já tinha passado pela experiência de Pedro ter estado com muitas raparigas, mas nunca se tinha preocupado, pois ela percebia que as coisas não eram sérias e nunca iriam ter qualquer futuro. Mas desta vez ela diferente. Ela tinha já percebido que Pedro estava diferente para melhor e que eram cada vez menores as hipóteses dele vir a apaixonar-se por ela.
Por isso, respirou fundo e decidiu que iria contar-lhe durante o almoço o que sentia por ele. Antes que ele tivesse a oportunidade de dizer alguma coisa sobre a nova namorada, iria despejar o que tinha dentro dela quase desde que o tinha conhecido. Foi uma decisão difícil. Patrícia sabia que as coisas nunca mais iriam ser as mesmas. Fosse qual fosse o resultado, tudo iria mudar na relação com Pedro. Se ele também gostasse dela, a sua relação iria evoluir de uma amizade para algo mais profundo e complicado. Se ele não sentisse o mesmo, as coisas ficariam constrangidas entre ambos a partir desse momento. Sempre que os dois falassem, ele iria sentir-se culpado por não retribuir os sentimentos dela e ela iria sentir-se embaraçada pelo que tinha acontecido. Mas era a altura de arriscar. Patrícia sempre foi uma pessoa muito cautelosa e só se expunha a alguém quando tinha a certeza de que era correspondida. Ela teve sempre um grande receio de sofrer e por isso contavam-se pelos dedos as situações em que tinha decidido assumir o risco. Mas esta era uma daquelas decisões que iria ter grande impacto no seu futuro. Ela só tinha pensado no Pedro nos últimos tempos e o receio de perdê-lo era mais forte do que tudo. Ela nunca tinha sido impulsiva e qualquer decisão requeria sempre muita reflexão para pensar em todas os cenários possíveis e os prós e os contras de qualquer alternativa. Mas agora ia ser diferente.
Patrícia respirou fundo de novo e não conseguiu pensar em mais nada até à hora do almoço.
- Isso não está fácil. – interrompeu Pedro. - Já está a sair fumo da tua cabeça. Se calhar é melhor deixares de pensar na campanha e fazer uma pausa para recuperar um pouco. É mesmo a altura certa para irmos almoçar.
- Tens toda a razão. Às vezes, quando não chegamos a uma conclusão, é melhor não continuar a pensar e seguir o que o instinto nos diz.
- É o que te estou a dizer há algum tempo. Estou a ver que finalmente começas a seguir alguns dos meus conselhos. Vamos?
- Estou mesmo atrás de ti.
Os dois saíram do escritório e foram almoçar num restaurante pequeno onde já tinham ido várias vezes no passado. Era um sítio sossegado onde não havia muita confusão e a comida era muito boa. Mas Pedro sabia que Patrícia adorava aquele restaurante pelas sobremesas. Eram das mais originais e mais saborosas que se podiam encontrar. E mesmo ele, que não era grande apreciador de doces, provava sempre da sobremesa de Patrícia.
Quando se sentaram à mesa foram logo atendidos por um empregado que já os conhecia há algum tempo e fizeram os pedidos. Enquanto esperavam pela comida, Patrícia pensou que esta seria a altura certa para fazer o que tinha decido no escritório.
- Já há algum tempo que não íamos almoçar juntos – disse Patrícia, tentava abrir caminho para a revelação que iria fazer.
- Pois é, eu sei. E a culpa é toda minha. Sei que tenho andado ocupado nos últimos tempos....
- Sim, só um bocadinho...
- Mas foi por um bom motivo. E tu já sabes do que estou a falar.
- De quem estás a falar... – corrigiu Patrícia.
- Sim, tens razão. Mas tu tens de conhecer a Inês. Nunca conheci ninguém como ela. Tenho a certeza de que ias gostar logo dela.
- É só uma questão de me a apresentares. Pois já a conheceste há algum tempo e quase não me falaste dela.
- A culpa é toda minha. É que as coisas estavam ainda no início, e não tinha a certeza de que iam durar. Mas está a correr muito bem e agora acho que é altura certa para os meus amigos a conhecerem.
- Vê-se pela tua cara. Nunca te vi tão feliz.
- Mas eu estou mesmo feliz. Tu não tens ideia do efeito que ela tem em mim. Eu só penso nela o dia inteiro. Pela primeira vez, existe alguém com quem eu queira estar por muito tempo ao meu lado. ...E queria dizer-te que...
- Eu também queria dizer-te... – disse Patrícia, ao mesmo que Pedro tentava completar a sua confissão.
- Oh! Desculpa interromper-te.
- Não, eu é que te peço desculpa. Diz tu primeiro...
- Não! Diz lá o que ias dizer... Eu digo-te daqui a bocado – disse Patrícia, sentido-se cada vez mais ansiosa para dizer o que sentia.
- Bem... Patrícia... Queria pedir-te o teu conselho. Eu sinto-me feliz com ela, mais ainda não nos conhecemos muito bem, e não sei como ela iria reagir se...
- Se...
- Se eu lhe dissesse que a amava..
- Pedro, tu sabes que eu faria tudo para te ajudar, mas eu nem conheço a rapariga...
- Pois não. Mas conheces-me a mim. Eu nunca te disse isso, mas eu acho que tu conheces-me melhor do que ninguém. Até mesmo do que a Inês. Tens sido a pessoa em que mais confio e cuja opinião eu mais respeito. Eu considero-te uma das minhas melhores amigas e gostaria de saber qual seria a tua reacção se uma pessoa como eu te dissesse que te amava.
- Pedro, tu sabes que eu sou muito amiga, mas nunca pensei em ti nesses termos.- respondeu Patrícia de forma hesitante.
Naquele momento, com aquela resposta espontânea, Patrícia apercebeu-se de que ainda não estava preparada para dizer a Pedro o que sentia. Melhor, sentiu que independentemente do que dissesse, nada iria acontecer entre os dois, pois era demais evidente que ele gostava mesmo de Inês, e que dizer-lhe alguma coisa apenas iria estragar a amizade que tinham.
- Sim, eu sei. Apenas querias que fingisses que eras a Inês e que um tipo que te conhece há pouco menos de um mês, e que tu sabes que nunca teve uma relação que durasse mais de um mês, mas com quem tu te tens passado um bom bocado te disesse que te amava. Qual seria a tua reacção? Acreditavas que eu estava a ser sincero?
- Pedro, eu não sei o que a Inês te diria, mas se ela te conhecesse como eu te conheço, eu saberia que ela seria a mulher mais feliz do mundo por tu lhe dizeres isso. Qualquer mulher daria tudo para que uma pessoa como tu lhe dissesse que ela era a mulher que tinha mudado a tua vida e que tinha transformado tanto.
- Obrigado por seres sincera. Acho que tu me convenceste. Eu estava com algumas dúvidas, mas agora acredito sinceramente que tenho mesmo de confessar-lhe o que sinto.
- Tudo para te ajudar. Sabes que eu fui sincera no que te disse e acho mesmo que ela nem sabe a sorte que tem em tu gostares dela.
- Patrícia, não sei o que faria sem ti. – disse Pedro a pegar na mão direita de Patrícia, que sentiu um pequeno choque no momento em que sentiu o toque da mão do seu amigo.
Patrícia colocou a mão esquerda por cima da de Pedro com muito carinho, ao mesmo tempo que se esforçava para esconder os seus sentimentos e não demonstrar a enorme dor que sentia por não ser ela a escolhida.
- Eu também não sei o que farias sem mim...- disse a rir, tentando quebrar aquele momento esquisito.
- Já estou farto de te dizer que ainda não percebo porque não existe ninguém na tua vida. Tu és daquelas pessoas que qualquer pessoa gostaria de ter ao seu lado para o resto da vida. Mas tenho a certeza de que um dia irás encontrar a pessoa certa – disse ao mesmo tempo, que também colocou a outra mão sobre as maõs de Patrícia.
- Vamos lá ver se isso acontece – mentiu Patrícia, que tinha a certeza de que já a tinha encontrado, e que estava mesmo à sua frente.
Pedro levantou-se da sua cadeira e colocou-se muito perto de Patrícia e deu-lhe um pequeno beijo na face.
- Tenho a certeza de que sim. Tal como eu encontrei a Inês, também tu irás encontrar alguém. – disse Pedro, antes mesmo de ser interrompido pelo empregado que trazia os pratos para a sua mesa.
O que Pedro não imaginava é que duas raparigas que tinham entrado no restaurante que estava completamente cheio e que estavam à entrada do restaurante à espera de que uma mesa ficasse livre tinham assistido a esta última cena, tendo logo de imediato saído do estabelecimento.