As palavras que nunca te direi
E tudo parecia correr bem na relação entre Pedro e Inês. Apesar de não conseguirem encontrarem-se todos os dias, quer por causa dos exames de Inês, quer por causa da campanha complicadíssima que tinha surgido na empresa de Pedro e que estava a aproximar-se do seu deadline, passavam quase uma hora por dia ao telemóvel a conversar.
E quando se juntavam para jantar, as emoções vinham à flor de cima. Ambos sentiam-se bem um com o outro e não havia um segundo em que as suas mãos não estivessem juntas. Há muito tempo que Inês não se sentia assim tão feliz. Depois do que tinha passado, nunca tinha imaginado que pudessse encontrar novamente um homem que a fizesse assim tão feliz. Mas também era esse o problema. Quanto mais se apaixonasse por alguém, maior seria o sofrimento se as coisas não corressem bem. Inês tinha jurado nunca mais deixar que alguém a magoasse como no passado. Mas com Pedro, as suas defesas abriram-se totalmente e estava a deixar este homem entrar no seu coração. E sabia que ele sentia o mesmo por ela.
Mas a relação ainda estava um bocado indefinida. Ambos gostavam de estar um com um outro, mas nenhum tinha ainda dado o primeiro passo no sentido de clarificar as coisas. Os dois andavam juntos, era certo. Mas nunca ninguém tinha falado numa relação mais séria.
Pedro nunca tinha tido no passado essa necessidade de ter uma relação com alguém. Para ele, o que interessava era o presente e viver dia a dia. Tinha sido esse um dos motivos para todas as relações dele terem acabado. O seu medo de compromissos era evidente para todos os que o rodeavam e quando as suas namoradas se apercebiam disso, estava dado o primeiro passo para o fim da relação.
Mas desta vez era diferente. Pedro não queria perder Inês por nada deste mundo. E ele estava disposto a fazer tudo por ela. Pela primeira vez na vida, Pedro sentia-se preparado para uma relação séria com uma mulher que ele achava que iria amar para o resto da vida. E estava disposto a demonstrar a Inês o que sentia.
Por seu turno, Inês também estava um pouco preocupada com esta indefinição. Mas por motivos diferentes de Pedro. Ela tinha acabado de sair de uma relação há pouco mais de seis meses, que não correu muito bem. Ela tinha sofrido bastante numa relação que tal como esta tinha começado muito bem. Mas com o tempo, ela acabou por conhecer melhor o agora ex-namorado. E se soubesse o que sabia agora, nunca se tinha dedicado de corpo e alma a ele. O seu coração andou magoado por muito tempo. Desde o fim desse namoro, que o seu coração estava fechado. Muitos tentaram romper a barreira que Inês tinha criado à sua volta. Mas só Pedro o tinha conseguido. Ela no início encontrava-se receosa de que a história se repetisse novamente. No seu íntimo tinha receio de que ele a magoasse. Mas agora que se estavam a conhecer melhor, ela sentiu que isso não iria acontecer, pois acreditava que Pedro a amava realmente e que faria tudo para que ela não saísse magoada. Inês começava assim a voltar a acreditar no amor. Mas mesmo assim, gostava desta indefinição. Não queria assumir nada mais sério enquanto não estivesse preparada. E achava que Pedro estava na mesma situação. E era isso que bastava a Inês por agora.
Porém, Inês não imaginava que Pedro pensava cada vez mais nesse asssunto, pois não queria partilhá-lha com mais ninguém. Ele sabia que ela não tinha saído com mais ninguém desde o dia em que se conheceram. Mas mesmo assim, ele queria que todos soubessem que ela era dele e que mais ninguém a podia ter.
Pedro sentia que estava numa nova fase da sua vida. Tinha finalmente encontrado alguém com quem queria passar o resto da vida. Sentia também que tinha mudado nas últimas semanas. E precisava de partilhar isso com uma das pessoas em quem mais tinha confiado no passado. Se bem que ultimamente, tinha deixado de confidenciar tanto com a Patrícia o que lhe ia na alma e preferido falar com o Carlos sobre a sua nova paixão. Pedro achava que era mais normal estar a falar de uma rapariga com um amigo do que com outra rapariga e tinha sido esse o único motivo para ter sido mais reservado com a Patrícia sobre esta nova fase da sua vida,
Mas tendo em conta que a sua relação com Inês estava tornar-se cada vez mais séria, Pedro achava que já era altura de falar com a amiga e saber a opinião dela. Patrícia tinha-o já apoiado várias vezes no último ano, sempre que ele tinha precisado dela. Tinham-se tornado próximos, ao ponto de terem combinado sair várias vezes fora do trabalho. Pedro estranhava sempre que Patrícia nunca vinha acompanhada quando eles saíam, mas pensou que devesse ao facto dela estar muito preocupada com a ascensão na empresa e não ter tempo para se envolver numa relação. Pedro conhecia bem a sua amiga e sabia que ela não era uma mulher para se envolver com alguém por quem não sentisse algo, apenas para não estar só. Era uma mulher forte e independente, que qualquer homem teria muita sorte se fosse o escolhido dela. E estava já a sentir-se mal por não partilhar com a amiga os sentimentos mais recentes.
Por isso decidiu almoçar com a Patrícia nesse dia. Só não sabia se ela estaria disponível, pois estavam em campanhas diferentes e não sabia se ela estaria muito ocupada. Mas nada melhor do que lhe perguntar. Pedro dirigiu-se à mesa de Patrícia, que estava absorta nos seus pensamentos a pensar numa nova ideia, e sem esta se aperceber de que ele tinha entrado, colocou-se atrás dela e deu-lhe um pequeno toque no ombro.
Patrícia quase deu um salto, pois tinha apanhado um pequeno choque. Não era novidade, pois tinham colocado recentemente uma alcatifa nova no escritório e o que não faltava era electricidade estática. Já tinha apanhado alguns choques, mas nenhum tão forte como este.
- Já vi que estás muito eléctrica. – Disse Pedro, não conseguindo evitar um sorriso.
- Parvo. Assustaste-me um bocado. Já ouviste falar em bater à porta?
- Tu é que me disseste que a tua porta estava sempre aberta para mim. Mesmo a da tua casa de banho.
- Hoje estás muito engraçadinho. Diz-me lá o que queres, pois estou um bocado atrapalhada com esta campanha. Tenho uma apresentação ao cliente amanhã, e ainda não consegui terminar tudo. Não tenho tempo para parvoíces. – disse Patrícia, tentando fingir que estava zangada com Pedro. Mas ela gostava quando ele vinha ter com ela e brincar um pouco. Já algum tempo que não o fazia.
- Já vi que vim cá perder o meu tempo. Queria ver se vinhas almoçar comigo, mas se estás assim tão ocupada, vou retirar-me dos teus aposentos e deixar-te trabalhar em paz…
- Fazes muito bem. – disse Patrícia, também não conseguindo evitar um ligeiro sorriso.
- Mas de certeza que não te consigo convencer? Conheço um arroz de polvo que está a chamar pelo teu nome.
- Já te disseram que és um chato? Tu tens o dom de chatear tanto as pessoas, que elas fazem tudo o queres, só para as deixarem em paz.
- Isso é claramente um sim. Então, saímos de cá quando forem quinze para a uma…
- Olha que vou contrariada. E tu pagas o almoço.
- Tu és uma negociadora difícil. Mas negócio fechado. Tudo para ter o prazer de almoçar contigo.
Após Pedro ter saído, Patrícia continuou a pensar. Mas agora, a campanha já não estava no seu pensamento. Ela não parava de pensar no motivo pelo qual ele a tinha convidado para almoçar. Não era a primeira vez. Na realidade, já tinham ido variadíssimas vezes almoçar um com o outro, mas já há algumas semanas que ela sentia que ele já não lhe dava tanta atenção como no passado. Por isso, este convite surgido do nada começou a incomodá-la. Só podia ser por causa da Inês. Essa mulher mistério de que já tinha ouvido Pedro tanto elogiar a Carlos nos últimos tempos.
Patrícia começou a ficar incomodada, com receio de que ele lhe dissesse que estava a apaixonar-se por essa rapariga. Tudo menos isso. Ela já tinha passado pela experiência de Pedro ter estado com muitas raparigas, mas nunca se tinha preocupado, pois ela percebia que as coisas não eram sérias e nunca iriam ter qualquer futuro. Mas desta vez ela diferente. Ela tinha já percebido que Pedro estava diferente para melhor e que eram cada vez menores as hipóteses dele vir a apaixonar-se por ela.
Por isso, respirou fundo e decidiu que iria contar-lhe durante o almoço o que sentia por ele. Antes que ele tivesse a oportunidade de dizer alguma coisa sobre a nova namorada, iria despejar o que tinha dentro dela quase desde que o tinha conhecido. Foi uma decisão difícil. Patrícia sabia que as coisas nunca mais iriam ser as mesmas. Fosse qual fosse o resultado, tudo iria mudar na relação com Pedro. Se ele também gostasse dela, a sua relação iria evoluir de uma amizade para algo mais profundo e complicado. Se ele não sentisse o mesmo, as coisas ficariam constrangidas entre ambos a partir desse momento. Sempre que os dois falassem, ele iria sentir-se culpado por não retribuir os sentimentos dela e ela iria sentir-se embaraçada pelo que tinha acontecido. Mas era a altura de arriscar. Patrícia sempre foi uma pessoa muito cautelosa e só se expunha a alguém quando tinha a certeza de que era correspondida. Ela teve sempre um grande receio de sofrer e por isso contavam-se pelos dedos as situações em que tinha decidido assumir o risco. Mas esta era uma daquelas decisões que iria ter grande impacto no seu futuro. Ela só tinha pensado no Pedro nos últimos tempos e o receio de perdê-lo era mais forte do que tudo. Ela nunca tinha sido impulsiva e qualquer decisão requeria sempre muita reflexão para pensar em todas os cenários possíveis e os prós e os contras de qualquer alternativa. Mas agora ia ser diferente.
Patrícia respirou fundo de novo e não conseguiu pensar em mais nada até à hora do almoço.
- Isso não está fácil. – interrompeu Pedro. - Já está a sair fumo da tua cabeça. Se calhar é melhor deixares de pensar na campanha e fazer uma pausa para recuperar um pouco. É mesmo a altura certa para irmos almoçar.
- Tens toda a razão. Às vezes, quando não chegamos a uma conclusão, é melhor não continuar a pensar e seguir o que o instinto nos diz.
- É o que te estou a dizer há algum tempo. Estou a ver que finalmente começas a seguir alguns dos meus conselhos. Vamos?
- Estou mesmo atrás de ti.
Os dois saíram do escritório e foram almoçar num restaurante pequeno onde já tinham ido várias vezes no passado. Era um sítio sossegado onde não havia muita confusão e a comida era muito boa. Mas Pedro sabia que Patrícia adorava aquele restaurante pelas sobremesas. Eram das mais originais e mais saborosas que se podiam encontrar. E mesmo ele, que não era grande apreciador de doces, provava sempre da sobremesa de Patrícia.
Quando se sentaram à mesa foram logo atendidos por um empregado que já os conhecia há algum tempo e fizeram os pedidos. Enquanto esperavam pela comida, Patrícia pensou que esta seria a altura certa para fazer o que tinha decido no escritório.
- Já há algum tempo que não íamos almoçar juntos – disse Patrícia, tentava abrir caminho para a revelação que iria fazer.
- Pois é, eu sei. E a culpa é toda minha. Sei que tenho andado ocupado nos últimos tempos....
- Sim, só um bocadinho...
- Mas foi por um bom motivo. E tu já sabes do que estou a falar.
- De quem estás a falar... – corrigiu Patrícia.
- Sim, tens razão. Mas tu tens de conhecer a Inês. Nunca conheci ninguém como ela. Tenho a certeza de que ias gostar logo dela.
- É só uma questão de me a apresentares. Pois já a conheceste há algum tempo e quase não me falaste dela.
- A culpa é toda minha. É que as coisas estavam ainda no início, e não tinha a certeza de que iam durar. Mas está a correr muito bem e agora acho que é altura certa para os meus amigos a conhecerem.
- Vê-se pela tua cara. Nunca te vi tão feliz.
- Mas eu estou mesmo feliz. Tu não tens ideia do efeito que ela tem em mim. Eu só penso nela o dia inteiro. Pela primeira vez, existe alguém com quem eu queira estar por muito tempo ao meu lado. ...E queria dizer-te que...
- Eu também queria dizer-te... – disse Patrícia, ao mesmo que Pedro tentava completar a sua confissão.
- Oh! Desculpa interromper-te.
- Não, eu é que te peço desculpa. Diz tu primeiro...
- Não! Diz lá o que ias dizer... Eu digo-te daqui a bocado – disse Patrícia, sentido-se cada vez mais ansiosa para dizer o que sentia.
- Bem... Patrícia... Queria pedir-te o teu conselho. Eu sinto-me feliz com ela, mais ainda não nos conhecemos muito bem, e não sei como ela iria reagir se...
- Se...
- Se eu lhe dissesse que a amava..
- Pedro, tu sabes que eu faria tudo para te ajudar, mas eu nem conheço a rapariga...
- Pois não. Mas conheces-me a mim. Eu nunca te disse isso, mas eu acho que tu conheces-me melhor do que ninguém. Até mesmo do que a Inês. Tens sido a pessoa em que mais confio e cuja opinião eu mais respeito. Eu considero-te uma das minhas melhores amigas e gostaria de saber qual seria a tua reacção se uma pessoa como eu te dissesse que te amava.
- Pedro, tu sabes que eu sou muito amiga, mas nunca pensei em ti nesses termos.- respondeu Patrícia de forma hesitante.
Naquele momento, com aquela resposta espontânea, Patrícia apercebeu-se de que ainda não estava preparada para dizer a Pedro o que sentia. Melhor, sentiu que independentemente do que dissesse, nada iria acontecer entre os dois, pois era demais evidente que ele gostava mesmo de Inês, e que dizer-lhe alguma coisa apenas iria estragar a amizade que tinham.
- Sim, eu sei. Apenas querias que fingisses que eras a Inês e que um tipo que te conhece há pouco menos de um mês, e que tu sabes que nunca teve uma relação que durasse mais de um mês, mas com quem tu te tens passado um bom bocado te disesse que te amava. Qual seria a tua reacção? Acreditavas que eu estava a ser sincero?
- Pedro, eu não sei o que a Inês te diria, mas se ela te conhecesse como eu te conheço, eu saberia que ela seria a mulher mais feliz do mundo por tu lhe dizeres isso. Qualquer mulher daria tudo para que uma pessoa como tu lhe dissesse que ela era a mulher que tinha mudado a tua vida e que tinha transformado tanto.
- Obrigado por seres sincera. Acho que tu me convenceste. Eu estava com algumas dúvidas, mas agora acredito sinceramente que tenho mesmo de confessar-lhe o que sinto.
- Tudo para te ajudar. Sabes que eu fui sincera no que te disse e acho mesmo que ela nem sabe a sorte que tem em tu gostares dela.
- Patrícia, não sei o que faria sem ti. – disse Pedro a pegar na mão direita de Patrícia, que sentiu um pequeno choque no momento em que sentiu o toque da mão do seu amigo.
Patrícia colocou a mão esquerda por cima da de Pedro com muito carinho, ao mesmo tempo que se esforçava para esconder os seus sentimentos e não demonstrar a enorme dor que sentia por não ser ela a escolhida.
- Eu também não sei o que farias sem mim...- disse a rir, tentando quebrar aquele momento esquisito.
- Já estou farto de te dizer que ainda não percebo porque não existe ninguém na tua vida. Tu és daquelas pessoas que qualquer pessoa gostaria de ter ao seu lado para o resto da vida. Mas tenho a certeza de que um dia irás encontrar a pessoa certa – disse ao mesmo tempo, que também colocou a outra mão sobre as maõs de Patrícia.
- Vamos lá ver se isso acontece – mentiu Patrícia, que tinha a certeza de que já a tinha encontrado, e que estava mesmo à sua frente.
Pedro levantou-se da sua cadeira e colocou-se muito perto de Patrícia e deu-lhe um pequeno beijo na face.
- Tenho a certeza de que sim. Tal como eu encontrei a Inês, também tu irás encontrar alguém. – disse Pedro, antes mesmo de ser interrompido pelo empregado que trazia os pratos para a sua mesa.
O que Pedro não imaginava é que duas raparigas que tinham entrado no restaurante que estava completamente cheio e que estavam à entrada do restaurante à espera de que uma mesa ficasse livre tinham assistido a esta última cena, tendo logo de imediato saído do estabelecimento.
domingo, setembro 10, 2006
domingo, julho 16, 2006
Capítulo 13
A Amiga...
Após fechar a porta da sua casa, Inês suspirou. Já há algum tempo que não se sentia assim. O seu coração não parava de bater rapidamente com a emoção do encontro que tinha tido naquela noite. Desde o beijo de despedida, que ela não conseguia deixar de pensar nele. Ela não sabia como é que ele tinha conquistado o coração dela em tão pouco tempo.
Não há muito tempo, ela tinha jurado que nunca iria deixar que outra pesssoa chegasse tão próxima dela e a magoasse novamente. Mas Pedro tinha conseguido aos poucos convencê-la de que ele era diferente dos homens com que ela tinha estado no passado.
Ela começou a recear que se ele soubesse o passado dela, os sentimentos dele iriam mudar. Por um momento passou-lhe pela cabeça a ideia de que se ele gostasse mesmo dela, o seu passado não iria importar. Mas depressa voltou à realidade e decidiu que por mais que lhe custasse esconder algo dele, caso o não fizesse, ele iria deixá-la num piscar de olhos mesmo antes da relação começar.
Era um pequeno preço a pagar pela sua felicidade. E tomou a decisão de lhe contar tudo, quando estivessem juntos há mais tempo e isso já não iria causar qualquer problema entre os dois. Mas até esse momento, iria fazer tudo para que ele nunca soubesse nada. E isso incluía esconder coisas dele.
Inês cedo tinha aprendido que a vida não era um mar de rosas. Apesar da sua tenra idade, já tinha passado por muitas coisas que possivelmente pessoas já muito mais velhas nunca iriam passar. Ela tinha muita vergonha do que tinha feito e quanto menos pessoas soubessem, melhor seria para ela.
Logo após ter tomado essa decisão, Inês começou novamente a pensar em Pedro. Era algo que não conseguia parar de fazer, mesmo se quisesse. E ela não o queria, pois sentia-se invadida por uma sensação tão estranha, que só poderia ser o amor. E tinha que partilhar o que sentia com alguém.E esse alguém, apenas podia ser a Rita.
A Rita era a sua melhor amiga. Tinha-a conhecido na secundária há cerca de seis anos. Ainda se lembrava do dia em que a tinha encontrado. Desde sempre que Inês tinha sido uma rapariga muito sociável e que era sempre a alma do grupo dela. Ela foi sempre o centro das atenções, não só por causa da sua beleza latente mas também por causa da sua personalidade. Por seu turno, a Rita era uma rapariga que primava pela descrição e parecia deslocada no meio da turma. Ela era uma rapariga nova na escola que tinha sido transferida de uma escola em Aveiro, donde se tinha mudado com os pais e a irmã para Lisboa. E por esse motivo, não conhecia ninguém na escola, e não parecia integrar-se no resto da turma ao fim de duas semanas de aulas. Ocasionalmente, alguém metia conversa com ela, mas ela parecia não querer criar laços com ninguém.
Inês lembrou-se da primeira impressão que tinha tido dela. Era uma rapariga muito tímida, que se vestia muito discretamente e que procurava não dar muito nas vistas, apesar dos seus enormes cabelos louros. Era uma rapariga que qualquer rapaz consideraria engraçada, mas nada mais do que isso. A ideia com que tinha ficado das primeiras semanas de Rita na escola, era de que ela era uma rapariga muito mimada pelos pais e que se achava superior às outras pessoas da escola. Tinham corrido rumores de que ela vinha de uma família com algumas posses e que tinha vindo de um colégio privado com elevada reputação e distinção. E o facto de não se querer integrar com o resto da turma apenas reforçava essa ideia.
Por seu turno, Inês era a rapariga mais popular do ano dela. No último ano, o seu corpo tinha-se desenvolvido muito rapidamente e tinha-se tornado o olhar de todos os rapazes da turma dela, incluindo os comprometidos. E tinha-se tornado a inveja de todas as raparigas, que se sentiam incomodadas pela enorme atenção que todos os rapazes dedicavam a ela. Mas mesmo assim, ela andava sempre rodeada do seu grupo de amigas que a acompanhavam desde a preparatória. E nunca pensaria em incluir Rita nesse grupinho.
Mas um dia, a professora de Psicologia decidou dividir a turma em grupos de dois, para fazer um trabalho sobre a influência dos genes na personalidade das pessoas. E acabou por juntar a Rita com a Inês, esperando que aquela aluna que estava sempre calada e quietinha nas aulas espevitasse um bocado ao passar algum tempo com a rapariga mais irrequieta da turma e que estava sempre a interromper as aulas, pois do início ao fim estava sempre a sussurar com a colega do lado. Inês, logo após a professora a ter juntado à Rita, pensou que com tantas pessoas naquela turma, ela tinha logo que juntá-la a uma rapariga que não tinha nada a ver com ela e que insistia em se manter afastada do resto da turma.
Após o fim da aula, a Rita foi ter com Inês, para combinar onde iriam fazer o trabalho. Ambas decidiram que o melhor seriam encontrarem-se na biblioteca à tarde para pesquisarem para o trabalho.
Quando Inês chegou ao local combinado um quarto de hora atrasada, já a Rita tinha colocado em cima da mesa de trabalho quatro ou cinco livros de Psicologia, a maioria dos quais de psicólogos com nomes impronunciáveis. Inês pensou logo que estaria na presença de uma daquelas pessoas que dava muita importância ao estudos e que não se importava com mais nada. Pediu desculpa pelo atraso e começaram as duas a percorrer os livros, à procura dos capítulos que tinham a informação necessária para o trabalho delas. Foram praticamente duas horas de quase silêncio, apenas interrompido por algumas piadas de Inês, que não obtiveram qualquer reação por parte da sua colega. A Rita praticamente não disse qualquer palavra durante a tarde toda, tirando as respostas a algumas questões que Inês ia colocando. Após terem tirado fotocópias daquilo que lhes interessava, combinaram que no dia seguinte se iriam encontrar outra vez, desta vez na casa da Rita, para redigir o trabalho.
Durante a noite, Inês telefonou a uma das amigas do seu grupinho, a dizer que nunca tinha tido uma seca tão grande e que a sua colega de trabalho era uma das pessoas mais chatas e fechadas que tinha conhecido. Não tinha ficado com uma boa impressão dela e apenas queria terminar o trabalho o mais depressa possível para não ter mais qualquer contacto com ela.
No dia seguinte, após o almoço, Inês foi para a casa da Rita. Ficava numa zona de vivendas, a mais fina da cidade. Tocou à porta e foi atendida pela empregada que a convidou a esperar um pouco na sala, enquanto ia chamar a Rita. Inês deu uma vista de olhos rápida pela sala e reparou que parecia uma daquelas fotografias que se encontravam naquelas revistas de decoração das casas de pessoas famosas. Percebeu logo que a Rita vinha de uma família com posses e que seria esse o motivo para não se querer misturar com os colegas. Entretanto a Rita chegou e sugeriu-lhe irem para o quarto dela. Quando lá chegaram, Inês surpreendeu-se imenso. Ao contrário da exuberância do resto da casa, o quarto dela pautava-se pela simplicidade. Era um quarto que primava pela arrumação, sem nada fora do sítio, com uma pequena televisão e onde se destacava um enorme poster dos Backstreet Boys. Sentaram-se na secretária dela, onde já lá estava um computador portátil e algumas folhas impressas da Internet com mais alguma informação que Rita devia ter pesquisado durante a noite passada.
De início, decidiram que seria a Rita a escrever no computador, uma vez que Inês era daquelas pessoas que nunca conseguiria um emprego como secretária, pois era impossível existir alguém que teclasse mais lentamente do que ela. Começaram ambas a falar sobre o que tinham lido no dia anterior. A tarde passou devagar, não tendo sido tocado outro tema de conversa para além do trabalho. A Inês detestava falar só de trabalho. Achava que o trabalho em conjunto correria melhor se ambas estivessem mais descontraídas e menos formais e brincassem uma com a outra. Mas qualquer tentiva de quebrar o gelo era imediatamente recusada pela Rita que dizia que elas só se deveriam preocupar em acabar o trabalho. Este até estava bastante bom e faltava apenas o capítulo em que se tinha de dar a opinião pessoal sobre o tema. Inês perguntou à Rita o que ela achava do assunto ao que Rita ficou a reflectir por uns instantes antes de lhe responder.
- Eu não acredito que os nosso genes determinem a nossa personalidade. A nossa personalidade vai-se desenvolvendo à medida que o tempo vai passando e as pessoas mudam com o tempo.
- Mas tu não achas que as pessoas têm algumas características que herdam dos pais? – retorquiu Inês.
- Eu acho que a única coisa que herdamos dos nossos pais são as nossas características físicas: a cor do nosso cabelo, os nossos olhos ou o nariz. Mas não é pelo meu pai ou a minha mãe serem pessoas calmas, que eu também o vou ser.
- Eu não penso bem assim. Há certas pessoas que nascem tímidas e que nunca vão deixar de ser tímidas. Há certas características inatas que por mais que as pessoas tentem mudar, nunca o irão conseguir. Eu por exemplo, já nasci assim expansiva e faladora. Os meus pais sempre me disseram que desde bebé que era assim, e que sempre chamava as atenções de todos desde muito cedo.
- Eu também penso que isso é verdade. Mas isso não tem a ver com o que estamos a discutir. Tu estás a dizer que há certas características com que nascemos e que irão para sempre influenciar o que nós fazemos. Eu também concordo com isso. Mas eu acho que isso não se herda dos pais.
- Ao contrário de outras coisas... – disse Inês que detestava que as pessoas não concordassem com ela e estando já a ficar farta do tratamento algo frio da Rita desde o dia anterior.
- O que queres dizer com isso? – perguntou Rita com uma entoção que indicava que ela não tinha gostado do comentário.
- Vê o teu caso. Nota-se que os teus pais são ricos. Eles devem-se achar melhor do que os outros. E tu pelos vistos estás a seguir o mesmo caminho.
- Estás completamente enganada. Vê-se que tu não me conheces mesmo nada.
- Ai não? Então porque é que estás sempre afastada do resto das pessoas da nossa turma e mal lhe diriges uma palavra? Só pode ser pelo facto de achares que ele não merecem que lhes digas alguma coisa.
A dicussão estava a ficar cada vez pior. Mas Rita decidiu por um termo ao rumo que a conversa estava a tomar. Ela era uma pessoa calma e pacífica por natureza e não estava interessada em discutir mais.
- Se tu e todos os outros acham isso, então estão no vosso direito. Cada um é livre de pensar o que quer. Mesmo que estejam completamente errados.
- Não acredito em ti. Estás agora a fazer de coitadinha. – disse Inês, que nunca foi uma pessoa que deixasse as coisas a meio. – Prova-me o contrário. Tu nunca mostraste abertura para com os outros e sempre que eu tentava falar contigo com outra coisa para além do trabalho, tu não me ligavas. Diz-me lá então como é que eu estou enganada.
Rita hesitou antes de dizer qualquer coisa. Por um momento, ela pensou no que lhe iria responder. Não queria dizer a ninguém o que realmente passava pela cabeça. Muito muito menos a alguém como a Inês, que não era minimamente amiga dela.
- Tu nunca irias compreender. – suspirou com um ar de resignação.
- Experimenta-me.
- E ainda por cima, achas que eu iria contar alguma coisa à rapariga com a maior boca da escola? Se eu te dissesse alguma coisa, amanhã já todos saberiam disso.
- Agora vê-se que és tu que não me conheces. Se soubesses como eu sou, saberias que sou alguém em que toda a gente confia. Eu sou incapaz de mentir ou de trair a confiança de alguém.
- Não é o que parece. A imagem que passa de ti é de alguém que não tem qualquer preocupações com o futuro e que está disposta a fazer tudo para ter o que quer. Nem que isso implique perder a amizade de alguém, se isso permitir que mais pessoas passem a gostar de ti. Só queres ser popular, independentemente do que os outros possam sofrer.
- Eu não sou assim. Podes perguntar a qualquer amiga minha.
- Amigas tuas? Achas que elas gostam a sério de ti? Elas só andam contigo para aproveitarem a tua popularidade. Pelo menos, são os comentários que tenho ouvido das outras pessoas.
- Ai é? Também já deves ter ouvidos os comentários muito elogiosos que toda a gente faz a ti desde o dia em que chegaste à escola – disse Inês com uma voz muito irónica.
- Não, não ouvi. Mas imagino o que devam dizer. Mas não me importo nada com isso. Nunca me preocupei com as aparências, ao contrário de muitas pessoas.
- Espero que não te estivesses a referir-te a mim. Pois eu acho que tu também estás a julgar-me pelas aparências e a imagem que construíste de mim, e não pelo que eu sou na realidade.
- Talvez estejamos as duas a cometer o mesmo erro. – reconheceu Rita, já com algumas lágrimas nos seus olhos. Ela foi sempre um pesssoa que apesar de ter sofrido muito por dentro, sempre tentou nunca demonstrar aos outros qualquer fraqueza. Mas neste momento, não estava a conseguir guardar as emoções só para ela e começou a chorar.
Inês sentiu que estava no dever de tentar confortar a sua colega, pois as lágrimas não paravam de fluir dos olhos azuis que tinham agora um brilhozinho. Mas apercebeu-se que não tinha sido só a discussão que tinham tido que tinha provocado esta situação. Deveria existir algo mais que justificasse não só a atitude de Rita nesta tarde, mas a atitude dela desde que veio de Aveiro. Passado cinco minutos, a crise de choro tinha terminado, mas os olhos de Rita demonstravam que ela ainda estava muito perturbada com a situação.
- Peço desculpa por esta cena – disse Rita aos soluços.
- Não faz mal. Eu é que peço desculpa por te ter feito chorar.
- Inês, não foi culpa tua. Eu não estava a chorar pelo que me disseste. Mas a conversa que estávamos a ter, fez-me lembrar de uma coisa no passado que me causou muita dor e que eu estou a tentar esquecer há algum tempo. Mas de repente voltou e eu não consegui evitar chorar.
- Rita, eu sei que nós não somos amigas, mas parece-me que estás a precisar de desabafar com alguém. Parece que estás a carregar o peso do mundo nos teus ombros. Eu sei que tu já tens uma imagem de mim que se calhar não vais conseguir mudar, mas eu posso garantir-te que podes confiar em mim. Tens todo o direito de não o fazer, mas se não queres que os outros te julguem pelas aparências, eu peço-te que não faças o mesmo a meu respeito.
- Não é por ti, mas por mim. Eu não sei se te consigo contar. Eu já percebi que provavelmente fiz uma imagem de ti que não corresponde à realidade. Mas eu não sei se....
Inês interrompeu-a a meio e pôs a sua mão no ombro da sua colega.
- Tu não tens de me contar nada se o não quiseres. Todos temos os nossos segredos, muitos dos quais não revelamos aos nossos melhores amigos. Eu também já passei por muita coisa, mas cheguei à conclusão que há coisas que temos de guardar para nós.
Rita ficou em silêncio uns minutos, antes de decidir revelar o que tinha acontecido com ela no passado. Inês ouviu a história e começou também a chorar, pois sentiu uma grande empatia com a sua colega. Inês soube que a família da Rita tinha vindo de Aveiro de Lisboa apenas por causa dela, para se afastarem do local onde tudo se tinha passado.
Ela começou a perceber por que motivo Rita tinha manter-se afastada dos seus colegas desde que tinha chegado. Também ela achava que seria difícil para alguém que tivesse passado por aquela situação, que conseguisse confiar novamente nos outros. Mas decidiu que iria fazer todos os esforços para ajudar Rita a superar aquela fase em que se encontrava. Antes de lhe contar qualquer coisa, Rita apenas pediu a Inês que não tivesse pena dela. Mas no final, não era pena que Inês sentia pela sua nova amiga. Era um grande orgulho pelo esforço que Rita tinha feito para ultrapassar a tragédia que a tinha afectado no passado e pela força interior que ela tinha demonstrado, pois muitas outras raparigas na situação dela teriam caído numa depressão da qual seria difícil saír.
Foi nessa noite que surgiram os laços de confiança entre as duas que permaneceram até hoje. E Inês pensou que teria sido muito difícil ultrapassar as dificuldades que tinha tido ainda há pouco tempo, sem o apoio da sua amiga...
Mas pelo menos hoje tinha boas notícias para partilhar...
Após fechar a porta da sua casa, Inês suspirou. Já há algum tempo que não se sentia assim. O seu coração não parava de bater rapidamente com a emoção do encontro que tinha tido naquela noite. Desde o beijo de despedida, que ela não conseguia deixar de pensar nele. Ela não sabia como é que ele tinha conquistado o coração dela em tão pouco tempo.
Não há muito tempo, ela tinha jurado que nunca iria deixar que outra pesssoa chegasse tão próxima dela e a magoasse novamente. Mas Pedro tinha conseguido aos poucos convencê-la de que ele era diferente dos homens com que ela tinha estado no passado.
Ela começou a recear que se ele soubesse o passado dela, os sentimentos dele iriam mudar. Por um momento passou-lhe pela cabeça a ideia de que se ele gostasse mesmo dela, o seu passado não iria importar. Mas depressa voltou à realidade e decidiu que por mais que lhe custasse esconder algo dele, caso o não fizesse, ele iria deixá-la num piscar de olhos mesmo antes da relação começar.
Era um pequeno preço a pagar pela sua felicidade. E tomou a decisão de lhe contar tudo, quando estivessem juntos há mais tempo e isso já não iria causar qualquer problema entre os dois. Mas até esse momento, iria fazer tudo para que ele nunca soubesse nada. E isso incluía esconder coisas dele.
Inês cedo tinha aprendido que a vida não era um mar de rosas. Apesar da sua tenra idade, já tinha passado por muitas coisas que possivelmente pessoas já muito mais velhas nunca iriam passar. Ela tinha muita vergonha do que tinha feito e quanto menos pessoas soubessem, melhor seria para ela.
Logo após ter tomado essa decisão, Inês começou novamente a pensar em Pedro. Era algo que não conseguia parar de fazer, mesmo se quisesse. E ela não o queria, pois sentia-se invadida por uma sensação tão estranha, que só poderia ser o amor. E tinha que partilhar o que sentia com alguém.E esse alguém, apenas podia ser a Rita.
A Rita era a sua melhor amiga. Tinha-a conhecido na secundária há cerca de seis anos. Ainda se lembrava do dia em que a tinha encontrado. Desde sempre que Inês tinha sido uma rapariga muito sociável e que era sempre a alma do grupo dela. Ela foi sempre o centro das atenções, não só por causa da sua beleza latente mas também por causa da sua personalidade. Por seu turno, a Rita era uma rapariga que primava pela descrição e parecia deslocada no meio da turma. Ela era uma rapariga nova na escola que tinha sido transferida de uma escola em Aveiro, donde se tinha mudado com os pais e a irmã para Lisboa. E por esse motivo, não conhecia ninguém na escola, e não parecia integrar-se no resto da turma ao fim de duas semanas de aulas. Ocasionalmente, alguém metia conversa com ela, mas ela parecia não querer criar laços com ninguém.
Inês lembrou-se da primeira impressão que tinha tido dela. Era uma rapariga muito tímida, que se vestia muito discretamente e que procurava não dar muito nas vistas, apesar dos seus enormes cabelos louros. Era uma rapariga que qualquer rapaz consideraria engraçada, mas nada mais do que isso. A ideia com que tinha ficado das primeiras semanas de Rita na escola, era de que ela era uma rapariga muito mimada pelos pais e que se achava superior às outras pessoas da escola. Tinham corrido rumores de que ela vinha de uma família com algumas posses e que tinha vindo de um colégio privado com elevada reputação e distinção. E o facto de não se querer integrar com o resto da turma apenas reforçava essa ideia.
Por seu turno, Inês era a rapariga mais popular do ano dela. No último ano, o seu corpo tinha-se desenvolvido muito rapidamente e tinha-se tornado o olhar de todos os rapazes da turma dela, incluindo os comprometidos. E tinha-se tornado a inveja de todas as raparigas, que se sentiam incomodadas pela enorme atenção que todos os rapazes dedicavam a ela. Mas mesmo assim, ela andava sempre rodeada do seu grupo de amigas que a acompanhavam desde a preparatória. E nunca pensaria em incluir Rita nesse grupinho.
Mas um dia, a professora de Psicologia decidou dividir a turma em grupos de dois, para fazer um trabalho sobre a influência dos genes na personalidade das pessoas. E acabou por juntar a Rita com a Inês, esperando que aquela aluna que estava sempre calada e quietinha nas aulas espevitasse um bocado ao passar algum tempo com a rapariga mais irrequieta da turma e que estava sempre a interromper as aulas, pois do início ao fim estava sempre a sussurar com a colega do lado. Inês, logo após a professora a ter juntado à Rita, pensou que com tantas pessoas naquela turma, ela tinha logo que juntá-la a uma rapariga que não tinha nada a ver com ela e que insistia em se manter afastada do resto da turma.
Após o fim da aula, a Rita foi ter com Inês, para combinar onde iriam fazer o trabalho. Ambas decidiram que o melhor seriam encontrarem-se na biblioteca à tarde para pesquisarem para o trabalho.
Quando Inês chegou ao local combinado um quarto de hora atrasada, já a Rita tinha colocado em cima da mesa de trabalho quatro ou cinco livros de Psicologia, a maioria dos quais de psicólogos com nomes impronunciáveis. Inês pensou logo que estaria na presença de uma daquelas pessoas que dava muita importância ao estudos e que não se importava com mais nada. Pediu desculpa pelo atraso e começaram as duas a percorrer os livros, à procura dos capítulos que tinham a informação necessária para o trabalho delas. Foram praticamente duas horas de quase silêncio, apenas interrompido por algumas piadas de Inês, que não obtiveram qualquer reação por parte da sua colega. A Rita praticamente não disse qualquer palavra durante a tarde toda, tirando as respostas a algumas questões que Inês ia colocando. Após terem tirado fotocópias daquilo que lhes interessava, combinaram que no dia seguinte se iriam encontrar outra vez, desta vez na casa da Rita, para redigir o trabalho.
Durante a noite, Inês telefonou a uma das amigas do seu grupinho, a dizer que nunca tinha tido uma seca tão grande e que a sua colega de trabalho era uma das pessoas mais chatas e fechadas que tinha conhecido. Não tinha ficado com uma boa impressão dela e apenas queria terminar o trabalho o mais depressa possível para não ter mais qualquer contacto com ela.
No dia seguinte, após o almoço, Inês foi para a casa da Rita. Ficava numa zona de vivendas, a mais fina da cidade. Tocou à porta e foi atendida pela empregada que a convidou a esperar um pouco na sala, enquanto ia chamar a Rita. Inês deu uma vista de olhos rápida pela sala e reparou que parecia uma daquelas fotografias que se encontravam naquelas revistas de decoração das casas de pessoas famosas. Percebeu logo que a Rita vinha de uma família com posses e que seria esse o motivo para não se querer misturar com os colegas. Entretanto a Rita chegou e sugeriu-lhe irem para o quarto dela. Quando lá chegaram, Inês surpreendeu-se imenso. Ao contrário da exuberância do resto da casa, o quarto dela pautava-se pela simplicidade. Era um quarto que primava pela arrumação, sem nada fora do sítio, com uma pequena televisão e onde se destacava um enorme poster dos Backstreet Boys. Sentaram-se na secretária dela, onde já lá estava um computador portátil e algumas folhas impressas da Internet com mais alguma informação que Rita devia ter pesquisado durante a noite passada.
De início, decidiram que seria a Rita a escrever no computador, uma vez que Inês era daquelas pessoas que nunca conseguiria um emprego como secretária, pois era impossível existir alguém que teclasse mais lentamente do que ela. Começaram ambas a falar sobre o que tinham lido no dia anterior. A tarde passou devagar, não tendo sido tocado outro tema de conversa para além do trabalho. A Inês detestava falar só de trabalho. Achava que o trabalho em conjunto correria melhor se ambas estivessem mais descontraídas e menos formais e brincassem uma com a outra. Mas qualquer tentiva de quebrar o gelo era imediatamente recusada pela Rita que dizia que elas só se deveriam preocupar em acabar o trabalho. Este até estava bastante bom e faltava apenas o capítulo em que se tinha de dar a opinião pessoal sobre o tema. Inês perguntou à Rita o que ela achava do assunto ao que Rita ficou a reflectir por uns instantes antes de lhe responder.
- Eu não acredito que os nosso genes determinem a nossa personalidade. A nossa personalidade vai-se desenvolvendo à medida que o tempo vai passando e as pessoas mudam com o tempo.
- Mas tu não achas que as pessoas têm algumas características que herdam dos pais? – retorquiu Inês.
- Eu acho que a única coisa que herdamos dos nossos pais são as nossas características físicas: a cor do nosso cabelo, os nossos olhos ou o nariz. Mas não é pelo meu pai ou a minha mãe serem pessoas calmas, que eu também o vou ser.
- Eu não penso bem assim. Há certas pessoas que nascem tímidas e que nunca vão deixar de ser tímidas. Há certas características inatas que por mais que as pessoas tentem mudar, nunca o irão conseguir. Eu por exemplo, já nasci assim expansiva e faladora. Os meus pais sempre me disseram que desde bebé que era assim, e que sempre chamava as atenções de todos desde muito cedo.
- Eu também penso que isso é verdade. Mas isso não tem a ver com o que estamos a discutir. Tu estás a dizer que há certas características com que nascemos e que irão para sempre influenciar o que nós fazemos. Eu também concordo com isso. Mas eu acho que isso não se herda dos pais.
- Ao contrário de outras coisas... – disse Inês que detestava que as pessoas não concordassem com ela e estando já a ficar farta do tratamento algo frio da Rita desde o dia anterior.
- O que queres dizer com isso? – perguntou Rita com uma entoção que indicava que ela não tinha gostado do comentário.
- Vê o teu caso. Nota-se que os teus pais são ricos. Eles devem-se achar melhor do que os outros. E tu pelos vistos estás a seguir o mesmo caminho.
- Estás completamente enganada. Vê-se que tu não me conheces mesmo nada.
- Ai não? Então porque é que estás sempre afastada do resto das pessoas da nossa turma e mal lhe diriges uma palavra? Só pode ser pelo facto de achares que ele não merecem que lhes digas alguma coisa.
A dicussão estava a ficar cada vez pior. Mas Rita decidiu por um termo ao rumo que a conversa estava a tomar. Ela era uma pessoa calma e pacífica por natureza e não estava interessada em discutir mais.
- Se tu e todos os outros acham isso, então estão no vosso direito. Cada um é livre de pensar o que quer. Mesmo que estejam completamente errados.
- Não acredito em ti. Estás agora a fazer de coitadinha. – disse Inês, que nunca foi uma pessoa que deixasse as coisas a meio. – Prova-me o contrário. Tu nunca mostraste abertura para com os outros e sempre que eu tentava falar contigo com outra coisa para além do trabalho, tu não me ligavas. Diz-me lá então como é que eu estou enganada.
Rita hesitou antes de dizer qualquer coisa. Por um momento, ela pensou no que lhe iria responder. Não queria dizer a ninguém o que realmente passava pela cabeça. Muito muito menos a alguém como a Inês, que não era minimamente amiga dela.
- Tu nunca irias compreender. – suspirou com um ar de resignação.
- Experimenta-me.
- E ainda por cima, achas que eu iria contar alguma coisa à rapariga com a maior boca da escola? Se eu te dissesse alguma coisa, amanhã já todos saberiam disso.
- Agora vê-se que és tu que não me conheces. Se soubesses como eu sou, saberias que sou alguém em que toda a gente confia. Eu sou incapaz de mentir ou de trair a confiança de alguém.
- Não é o que parece. A imagem que passa de ti é de alguém que não tem qualquer preocupações com o futuro e que está disposta a fazer tudo para ter o que quer. Nem que isso implique perder a amizade de alguém, se isso permitir que mais pessoas passem a gostar de ti. Só queres ser popular, independentemente do que os outros possam sofrer.
- Eu não sou assim. Podes perguntar a qualquer amiga minha.
- Amigas tuas? Achas que elas gostam a sério de ti? Elas só andam contigo para aproveitarem a tua popularidade. Pelo menos, são os comentários que tenho ouvido das outras pessoas.
- Ai é? Também já deves ter ouvidos os comentários muito elogiosos que toda a gente faz a ti desde o dia em que chegaste à escola – disse Inês com uma voz muito irónica.
- Não, não ouvi. Mas imagino o que devam dizer. Mas não me importo nada com isso. Nunca me preocupei com as aparências, ao contrário de muitas pessoas.
- Espero que não te estivesses a referir-te a mim. Pois eu acho que tu também estás a julgar-me pelas aparências e a imagem que construíste de mim, e não pelo que eu sou na realidade.
- Talvez estejamos as duas a cometer o mesmo erro. – reconheceu Rita, já com algumas lágrimas nos seus olhos. Ela foi sempre um pesssoa que apesar de ter sofrido muito por dentro, sempre tentou nunca demonstrar aos outros qualquer fraqueza. Mas neste momento, não estava a conseguir guardar as emoções só para ela e começou a chorar.
Inês sentiu que estava no dever de tentar confortar a sua colega, pois as lágrimas não paravam de fluir dos olhos azuis que tinham agora um brilhozinho. Mas apercebeu-se que não tinha sido só a discussão que tinham tido que tinha provocado esta situação. Deveria existir algo mais que justificasse não só a atitude de Rita nesta tarde, mas a atitude dela desde que veio de Aveiro. Passado cinco minutos, a crise de choro tinha terminado, mas os olhos de Rita demonstravam que ela ainda estava muito perturbada com a situação.
- Peço desculpa por esta cena – disse Rita aos soluços.
- Não faz mal. Eu é que peço desculpa por te ter feito chorar.
- Inês, não foi culpa tua. Eu não estava a chorar pelo que me disseste. Mas a conversa que estávamos a ter, fez-me lembrar de uma coisa no passado que me causou muita dor e que eu estou a tentar esquecer há algum tempo. Mas de repente voltou e eu não consegui evitar chorar.
- Rita, eu sei que nós não somos amigas, mas parece-me que estás a precisar de desabafar com alguém. Parece que estás a carregar o peso do mundo nos teus ombros. Eu sei que tu já tens uma imagem de mim que se calhar não vais conseguir mudar, mas eu posso garantir-te que podes confiar em mim. Tens todo o direito de não o fazer, mas se não queres que os outros te julguem pelas aparências, eu peço-te que não faças o mesmo a meu respeito.
- Não é por ti, mas por mim. Eu não sei se te consigo contar. Eu já percebi que provavelmente fiz uma imagem de ti que não corresponde à realidade. Mas eu não sei se....
Inês interrompeu-a a meio e pôs a sua mão no ombro da sua colega.
- Tu não tens de me contar nada se o não quiseres. Todos temos os nossos segredos, muitos dos quais não revelamos aos nossos melhores amigos. Eu também já passei por muita coisa, mas cheguei à conclusão que há coisas que temos de guardar para nós.
Rita ficou em silêncio uns minutos, antes de decidir revelar o que tinha acontecido com ela no passado. Inês ouviu a história e começou também a chorar, pois sentiu uma grande empatia com a sua colega. Inês soube que a família da Rita tinha vindo de Aveiro de Lisboa apenas por causa dela, para se afastarem do local onde tudo se tinha passado.
Ela começou a perceber por que motivo Rita tinha manter-se afastada dos seus colegas desde que tinha chegado. Também ela achava que seria difícil para alguém que tivesse passado por aquela situação, que conseguisse confiar novamente nos outros. Mas decidiu que iria fazer todos os esforços para ajudar Rita a superar aquela fase em que se encontrava. Antes de lhe contar qualquer coisa, Rita apenas pediu a Inês que não tivesse pena dela. Mas no final, não era pena que Inês sentia pela sua nova amiga. Era um grande orgulho pelo esforço que Rita tinha feito para ultrapassar a tragédia que a tinha afectado no passado e pela força interior que ela tinha demonstrado, pois muitas outras raparigas na situação dela teriam caído numa depressão da qual seria difícil saír.
Foi nessa noite que surgiram os laços de confiança entre as duas que permaneceram até hoje. E Inês pensou que teria sido muito difícil ultrapassar as dificuldades que tinha tido ainda há pouco tempo, sem o apoio da sua amiga...
Mas pelo menos hoje tinha boas notícias para partilhar...
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